Não há lugares, nunca houve, nem mesmo antigos.
Há o que olhamos neles, a sua marca de pó de tijolo que os faz sumir.
Só assim conseguimos chegar. Só brandamente, para lembrarmos.
Não para tocar as colunas lilases ou fazer a travessia no veleiro das tangerinas.
Só vagamente andamos. Não caminhamos, debaixo do sol.
Os pés dos nómadas não enegrecem com as areias e as águas de pequenos portos.
São os ulmeiros que nos protegem e não os seus terraços.
A marca de pó fere-nos numa gota desmaiada,
podemos entretê-la mesmo entre os dedos que não petrifica.
Nada mudou desde o primeiro queixume, foi
com os olhos que partimos na linha do mediterrâneo
e são as oliveiras o seu diurno limite.
Ainda antes da publicação de A Função do Geógrafo (Dezembro de 2000) e de A Ordem do Mundo (Setembro de 2005), ambos pela Quasi Edições e com óptimas recepções críticas, a poesia de Rui Coias apareceu no n.º 10 dos Cadernos de Poesia Hífen (Maio de 1997), dedicado à poesia portuguesa dos famigerados anos 90. Na nota biobibliográfica que acompanhou a edição destes poemas, fomos informados de que Rui Penote Coias – assim assinava, à época, o poeta – nasceu em Lisboa, no dia 2 de Setembro de 1966, e ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, cidade onde descobriu a paixão pela poesia. Cumprida a licenciatura em 1991, seguiu-se um estágio na sociedade de advogados PLMJ, o exercício da advocacia numa empresa petrolífera espanhola, pós-graduação em assessoria jurídica de empresas e assessoria na Cepsa. Um currículo, convenhamos, nada convencional para poeta. Sucede que a vida é um percurso sinuoso. E o poético nunca se coadunou com convencionalidades. Coias regressou à escola para estudar Filosofia e passou a investir mais tempo nas viagens. Fundamentos de Passagem dá conta dessa vocação, é um excelente weblog sobre a experiência da viagem e as aventuras dos viajantes. Num post recente, cita-se Maurice Blanchot a propósito do "caso Rimbaud": «O escândalo de Rimbaud tomou múltiplas formas: em primeiro lugar, escreve obras-primas, renuncia a escrever outras enquanto parece capaz de continuar a produzi-las. Renunciar a escrever, quando se deu conta que se era um grande escritor, não passa sem constituir mistério absoluto. Tal mistério aumenta quando se descobre o que Rimbaud pede à poesia: não que produza belas obras, nem que responda a um ideal estético, mas que ajude o homem a partir para algures, a ser mais ele próprio, a ver mais do que pode ver, a conhecer o que não pode conhecer - numa palavra, fazer da literatura uma experiência que engloba o todo da vida e o todo do homem» (sublinhado nosso). Sobre a poesia de Rui Coias, escreveu Joaquim Manuel Magalhães: «Um dos pendores dos seus livros é a configuração memoriosa do que entende dar-nos do seu passado, sobretudo viagens a lugares que podem ter ficado entretecidos de sentimento ou de registo de anotações paisagísticas ou de um tempo perdido ainda que ganho em relação à fundura da interioridade» (Expresso, 4 de Março de 2006). Rui Coias é autor de dois excelentes livros de poemas que apenas se ligam ao agora na medida em que atravessam todos os tempos, projectando-nos para um algures emocional que nos deixa à deriva e obriga a questionar todo e qualquer preconceito que possa ainda existir acerca do que vamos designando de poético. Digamos que não é uma poesia que dê nas vistas por aspectos meramente caricaturais, mas é uma poesia das vistas, das paisagens – interiores e exteriores -, que se vai fazendo ouvir pausadamente, com uma coerência e qualidade raras.
1 comentário:
É, de facto, um belo livrinho (livrinho pelo tamanho); coias, juntamente com quintais e jonas são das "novas" vozes que mais aprecio.
Enviar um comentário