Já no tempo do Fialho era assim: «O resultado é este: em cima, o país gozado por dez ou doze charlatães, de parceria com dez ou doze bandidos, o todo fazendo permutações de infâmias e jiga-jogas de negociatas, que lhes permitam aguentarem-se alguns meses mais no tombadilho: em baixo a massa avulsa, morrinhenta, sórdida, sem força, desiludida de tudo, irrespeitosa de tudo, insultando-se como bêbedos, sofrendo o azorrague como cães, vendo passar as afrontas indiferente, e deixando-se cair afim no próprio vómito, onde a letargia a açovaca, até que uma chicotada nova faça outra vez estrebuchar!» (de Crítica à Sociedade Portuguesa). Não há salve-se quem puder porque ninguém pode salvar-se num país de coutos, estão todos por baixo de alguém que se está a cagar para quem está mais abaixo, estão todos galinhas, franganotes depenados na brasa da imbecilidade. Eu, com eles, curiosamente ausente de mim próprio, arrecado 4 litros de vinho, um para cada elemento essencial ─ Terra, Água, Ar e Fogo ─ e venho fazer notícia do assunto, enquanto cavo a ruína com mais um cigarro aceso e ecos de um povo incivilizado. Correu tudo muito democraticamente. Já no tempo do Fialho era assim: «A democracia é como as outras febres; um bacilo propaga-a, e do cérebro de cada afectado que o despotismo sequestra à liberdade, milhares de gérmenes se evolam, a contaminar outros tantos reputados imunes, horas antes» (de Há vinte dias que o país não faz senão gritar viva a República!). Regresso desequilibradamente a estes prados porque há dias o José escrevia-me a dizer que apesar de uma forte costela anarca, tem uma noção algo contraditória sobre o voto útil. Há anos a minha ossatura anarca convenceu-se de que a vidinha imprime em cada osso o código digital da desgraça. Fiz-me às armas, com os barões assinalados, e cumpri com os meus deveres. Vou cumprindo. Tenho, porém, a noção de que os galinheiros estão atolados na porcaria das galinhas. E como nasci depenado, sou bípede sem penas, adoptei a metáfora como recurso. Tal qual os marinheiros que adoptam pequenas embarcações no alto mar da finança. Nunca joguei na bolsa, não tenho PPR, tudo o que ganho é para gastar. Tive a sorte de umas costas largas que vou aguentando à custa de demasiado prurido. Mas já sei, de antemão, onde isto me vai levar: mais dia, menos dia, ensandeço, e depois direi como a avó do Victor: nosso senhor nos dê descanso. O Victor diz: «Nunca percebi porque a minha avó dizia: NOSSO senhor!» Eu também não percebo porque a minha avó não tomava banho, nem acreditava que o homem tinha pisado a lua, não percebo porque devorava ela pacotes de manteiga como se fossem iogurtes, nem percebo porque morreu das cataratas a ler mezinhas para todos os efeitos. A questão é: a santa da ladeira morreu, estamos desamparados na profissão de sermos, o nosso último recurso é o desaforo das circunstâncias. Pois bem, já no tempo do Fialho era assim: «Este nefando sistema tem enchido os quadros, de sobrinhos e irmãos de ministros e directores gerais, quase tudo criaturinhas de gozo e de deboche, incapazes de estudo, sem vislumbre de cérebro, nem capacidade alguma de trabalho, e apenas dispostas a fazerem dos lugares que lhes dão, conezias rendosas e inactivas. Enquanto a política só aproveitou essa cambada de desfrutadores, para mobilar com ela os lugares ínfimos e médios das secretarias e da alfândega, bem foi a coisa: mas preenchida a corredoira burocrática, de bestas, houve que se desonrar a envergadura moral de certos cargos altos, de se pôr em jogo a dignidade e a seriedade de certos serviços, para dar comida às restantes» (de Crítica aos altos funcionários do estado. Por que mãos anda a dignidade do país, modo de prover os altos cargos.). É isto, irmãos, poderão não concordar com o meu desespero alegre, como um dia o Lage que agora resume séculos num tijolo sem fervura, mas é só isto o que nos resta, cuspir na ilustre cretinice das famílias que vão fazendo a cama aos nascidos sem valência. Por mim, podem continuar a torcer os bigodes e a vincar as fardas do Papão, mas, tanto quanto me for possível, à distância. Que a pátria se arruíne no “comedouro” da carneirada é o meu último desejo no corredor da morte. Voto útil, nesta casa, é só um: o das tintas para a classe, o das tintas para a costela, o das tintas para a puta que os pariu, o das tintas para um Estado que há-de sempre abusar, por coacção ou subtileza, de quem não convier aos seus teatros. Pago o meu preço, tenho os meus exemplos. Não são para aqui chamados.
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