quarta-feira, 11 de novembro de 2009

A VIDA NÃO É MANEIRA DE TRATAR UM ANIMAL


Kurt Vonnegut, americano de ascendência alemã, nasceu em Indianápolis no dia 11 de Novembro de 1922. Filho de um pintor e arquitecto falhado, Kurt era o mais novo de três irmãos. «Cresci numa época em que a comédia neste país era soberba ─ durante a Grande Depressão», dirá. Familiarizou-se, desde muito cedo, com o mundo da comédia, com o humor, com a sátira. Frequentou o liceu de Shortridge em Indianápolis, prosseguindo estudos de bioquímica na Cornell. Foi o pai quem o dissuadiu das humanidades. «Disse-me que eu só poderia ir para a universidade se estudasse qualquer coisa séria, qualquer coisa prática». Ironicamente, será em Cornell que o escritor começará a formar-se, publicando as primeiras sátiras no Cornell Sun. Em 1943, voluntariou-se para combater na Segunda Grande Guerra. Foi enviado para a Europa, feito prisioneiro na Batalha de Bulge, posteriormente transportado para Dresden. A experiência revelar-se-á decisiva. Vonnegut assiste ao histórico bombardeamento de Dresden, «o maior massacre na história europeia». «Em Dresden, numa só noite, a 13 de Fevereiro de 1945, cerca de 135 mil pessoas foram mortas pelo fogo britânico». Vonnegut, como outros prisioneiros de guerra, foi incumbido de desenterrar alemães mortos dos escombros. Após este bombardeamento, a cidade foi ocupada pelas tropas soviéticas e Kurt Vonnegut acabou por ser repatriado para os EUA. Casa com Jane Marie Cox, uma amiga de infância. «Quando pedi a anglo-americana Jane Marie Cox em casamento em 1945, um dos tios dela perguntou-lhe se ela queria mesmo “misturar-se com todos aqueles alemães”». O casal terá três filhos e adoptará os filhos da irmã do escritor, vítima de cancro em 1958. Estuda Antropologia na Universidade de Chicago, é colega de Saul Bellow, mas acaba por ver a sua tese rejeitada. «Em todo o caso, foi um erro crasso eu fazer um curso de antropologia, porque não suporto os povos primitivos ─ são tão estúpidos». Será apenas em 1971 que o departamento de antropologia da Universidade aceitará o romance Cat’s Cradle como substituto de uma tese, atribuindo-lhe o mestrado. Trabalhou como relações públicas do laboratório de investigação da General Electric's, publica a sua primeira história de ficção científica em 1950, no Collier's Weekly, muda-se com a família para Cape Cod, Massachusetts, publica dezenas de histórias em jornais e revistas, posteriormente reunidas em vários volumes. O primeiro romance, Player Piano, surge em 1952. Kurt Vonnegut ganha fama como escritor de ficção científica. «Tornei-me um suposto escritor de ficção científica quando alguém decretou que eu era um escritor de ficção científica. Não queria ser classificado como tal, e assim questionei-me sobre que ofensa cometera eu que não me permitia ser reconhecido como escritor sério. Decidi que era porque escrevia sobre tecnologia, e a maioria dos bons escritores americanos nada sabem sobre tecnologia». Em 1970, separa-se de Jane Marie Cox, passando a viver com a fotógrafa Jill Krementz. O divórcio, assim como o segundo casamento, apenas ocorrerão em 1979. Adopta mais uma criança com Krementz. Em 1984, tenta suicidar-se. Debaixo da capa humorística, vivia um homem atormentado com os problemas da humanidade. «O humor é uma maneira de mantermos à distância o horrível que a vida pode ser, uma maneira de nos protegermos. No fim, há um dia em que estamos simplesmente fartos, e as notícias são demasiado horríveis, e o humor deixa de funcionar». Em 2000, foi hospitalizado após um incêndio ocorrido na casa onde residia. Morreu a 11 de Abril de 2007, em Manhattan, Nova Iorque, após complicações motivadas por uma queda doméstica. Vonnegut escreveu contos, peças de teatro, ensaios, textos críticos, argumentos para televisão, romances e este poema:

REQUIEM

A Terra crucificada,
se pudesse encontrar uma voz,
e um sentido da ironia,
bem poderia agora dizer
sobre a maneira como abusámos dela:
«Perdoa-lhes, Pai,
Eles não sabem o que fazem.»

A ironia estaria
no facto de sabermos
o que fazemos.

Quando a última coisa viva
tiver morrido por nossa culpa,
como seria poético
se a Terra pudesse dizer,
numa voz que flutuasse até aos nossos ouvidos,
talvez
vinda do fundo
do Grande Canyon:
«Está feito.»
As pessoas não gostavam disto aqui.


Todos os excertos citados foram copiados de Um Homem Sem Pátria, trad. Susana Serras Pereira, Edições Tinta-da-China, Julho de 2006. Na imagem ao alto, estão Kurt Vonnegut e Loree Rackstraw, uma amiga bastante próxima com quem Kurt foi passando algumas férias ao longo dos seus dois casamentos. Dirá ela: «We were very close. It was a friendship unlike any I've had with anyone». Conheceu Vonnegut em 1965, num workshop administrado por este na Universidade do Iowa. Chegado o sucesso literário, Kurt escreveu a Rackstraw: «This hilarious rise in my spirits, originating from a deep purple depression, began with loving you». Loree acabou por casar com um poeta… suicida. Publicou em Março deste ano o livro: Love as Always, Kurt: Vonnegut As I Knew Him.

2 comentários:

manuel a. domingos disse...

ora aí está alguém que vale a pena ler...

hmbf disse...

Podes crer.