segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

PARA QUE TUDO FIQUE NA MESMA


«Alguém se recorda deste nome: Judith Teixeira? Não será fácil, sobretudo aqueles que, embora interessados pela nossa poesia, se satisfazem apenas consultando compêndios da especialidade que lhes orientam as leituras: as histórias, os ensaios, as antologias» (António Manuel Couto Viana, 1974). Passados tantos anos, a interrogação continua a fazer sentido e a desmemória prevalece. Judith Teixeira é um desses casos que nos levam a sublinhar a mesquinhez de um país e a desconfiar da putativa autonomia dos mais novos, por neles continuarmos a observar os mesmos vícios de uma cultura subserviente a cânones instalados e amortalhados por academias que não gostam de sujar as mãos na terra. Nasceu a poeta, segundo consta, a 25 de Janeiro de 1880 na cidade de Viseu. Não se sabe muito das suas origens, mas informa o assento de baptismo que a sua mãe se chamava Maria do Carmo. Perfilhada por um tal de Francisco dos Reis Ramos, terá estado casada com um empregado comercial. O casamento foi dissolvido em 1913, tendo Judith sido acusada de adultério. Voltou a casar um ano depois, com um advogado. Apesar de se ter estreado em livro já com 42 anos cumpridos, terá começado a escrever em tenra idade aquela que foi considerada por Couto Viana a única mulher modernista portuguesa. Seja como for, publicou algumas narrativas, sob pseudónimo, em 1918 e 1919, no Jornal da Tarde, e colaborou com a revista Contemporânea no ano de 1922. No ano seguinte, publicou a primeira colectânea de poemas, intitulada Decadência, causando forte e irremediável polémica: «Trago nos nervos a morte! / Sou uma sombra em recorte / de tristeza e de ruína… // Uivou dentro em mim a dôr... / Só lhe perco o som e a côr / em orgias e morfina!». A Liga de Acção dos Estudantes de Lisboa insurge-se contra esta e outras obras. Sodoma Divinizada, de Raul Leal, Canções, de António Botto, e Decadência, de Judith Teixeira, são retirados das livrarias e queimados publicamente junto ao Governo Civil. O medievalismo da época não contrasta muito com o moralismo acéfalo da actualidade, mas o silêncio que se abateu sobre Judith não pode deixar de causar embaraço. Fernando Pessoa indigna-se contra as acções moralistas dos estudantes. É conhecida a sua defesa das Canções de António Botto. No entanto, cala-se acerca de Decadência. Só Aquilino Ribeiro (e poucos mais) se manifesta(m) a favor do talento da autora que, no mesmo ano, fez publicar Castelo de Sombras, um «outro livro de versos, muito serenos, muito espirituais e que não devem ofender a moralidade literária da polícia...» De nada lhe valeu a cautela. A ignominiosa poesia de Judith estava marcada pelo ferro em brasa da boa moral. Em 1925, dirigiu três números da revista Europa. No ano seguinte, apareceu o seu último livro de poemas, Nua – Poemas de Bizâncio, e a conferência intitulada De Mim, onde a autora procurava defender-se do enxovalho e da ridicularização a que fora sujeita. A instauração da ditadura sentenciou a quase morte da poeta. Voltará a publicar apenas um volume de contos, Satânia, onde eram anunciados livros que nunca viram a luz do dia, cujos manuscritos permanecem desconhecidos. Pouco se sabe sobre os seus últimos anos de vida. Colaborou com a revista Terras de Portugal, terá andado fora do país, morreu viúva, sem filhos, completamente só, a 17 de Maio de 1959, em Lisboa: «Choro?! Oh, sim, perdidamente! / Mas sabes tu, por que este pranto / Assim amargo e soluçado vem? / É que na hora da partida / Eu nunca pude sem chorar / Dizer adeus a ninguém!» Voltou a não caber nas antologias. (A visitar, sobre Judith Teixeira, este e este lugares).

3 comentários:

obscuro tempo disse...

infelizmente o que aqui diz é uma grande verdade:
"que nos levam a sublinhar a mesquinhez de um país e a desconfiar da putativa autonomia dos mais novos, por neles continuarmos a observar os mesmos vícios de uma cultura subserviente a cânones instalados e amortalhados por academias que não gostam de sujar as mãos na terra. [...] O medievalismo da época não contrasta muito com o moralismo acéfalo da actualidade"
E não é só na literatura, é também no cinema, na música, nas artes plásticas, na politica, etc. como muito bem intitula no post "é preciso que tudo mude para que fique tudo na mesma". É de desesperar de tanta tacanhez. Permite-me que o cite no meu blog "obscuro tempo" ?

hmbf disse...

Cite o que quiser. Não precisa pedir. Obrigado pelo comentário.

Antunes disse...

Judith teixeira foi muito sobrevalorizada e felizmente caiu no esquecimento. Também o facista ferrenho que a reabilitou anda muito sobrevalorizado, tal como ela, pelas bandas dos bas-fonds sombrios que passam por ser casas de prestígio quando afinal são clubes privados de meminos já pouco meninos que fazem gala na sua incapacidade para se inserirem numa sociedade.