sábado, 27 de fevereiro de 2010

FORTE E VIGOROSO


«Tudo aquilo que não aconteceu a Ruy Belo mostra os mecanismos da merda em que nos fazem chafurdar» (Joaquim Manuel Magalhães). Ruy Belo nasceu em São João da Ribeira, aldeia do concelho de Rio Maior, a 27 de Fevereiro de 1933. Quem o conheceu, diz que era um rapaz tímido. Como praticamente toda a gente daquelas bandas, teve uma educação religiosa. Em 1943, matriculou-se no Liceu de Santarém. Concluído o Liceu, foi estudar Direito para Coimbra. Foi por essa altura que se comprometeu com o Opus Dei, organização que, segundo o próprio, veio a abandonar alguns anos depois por lhe ter sido proibida a escrita de poesia. Magalhães conta que Ruy Belo falava inclusive de um livro que fora obrigado a destruir por ordem do seu orientador espiritual. Isento do Serviço Militar, transferiu-se para a Universidade de Lisboa em 1954. A Licenciatura em Direito foi concluída em 1956. Partiu então para Roma, onde se doutorou em Direito Canónico com uma tese intitulada Ficção Literária e Censura Eclesiástica. Regressado a Lisboa, foi, durante praticamente três anos, Director Literário da Editorial Aster e chefe da Redacção da revista Rumo. Fez um estágio para advocacia, proferiu palestras sobre literatura na Emissora Nacional, foi adjunto do Director do Serviço de Escolha de Livros do Ministério da Educação Nacional, demitindo-se quando ia ser nomeado Director. 1961 é um dos anos mais marcantes da sua biografia. Abandona o Opus Dei, publica o primeiro livro, intitulado Aquele Grande Rio Eufrates, e conhece Maria Teresa, futura mulher, como bolseira da Gulbenkian na Faculdade de Letras de Lisboa. Eugénio de Andrade lembra o aspecto físico do poeta: «era forte e vigoroso, como se tivesse praticado basquetebol, ou coisa assim, e ficasse para sempre grandalhão e gauche». Mas lembra mais. O primeiro livro de Ruy Belo fora concorrente ao Grande Prémio de Poesia da Sociedade Portuguesa de Escritores, perdendo para Poesia III de José Gomes Ferreira. Entretanto, Ruy Belo foi traduzindo vários autores, publicou O Problema da Habitação, organizou a edição de livros de Camilo e Antero, casou com Maria Teresa, publicou o terceiro livro, Boca Bilingue, foi chefe do serviço de edições da União Gráfica, concluiu a licenciatura em Filologia Românica, foi pais duas vezes e, em 1969, candidatou-se a deputado por Lisboa nas listas da CEUD. Armando Pereira da Silva lembra que, por esta altura, «a sua ligação contratual a estruturas editoriais da Igreja entrou em colapso. E as portas profissionais seguintes foram-se fechando, apesar das duas licenciaturas e um doutoramento». Em 1971, além de ter prefaciado Sob Sobre Voz, de João Miguel Fernandes Jorge, conseguiu um lugar de leitor de português na Universidade de Madrid. A polícia política tentou limitar-lhe as acções procurando impor que falasse apenas de literatura. Ruy Belo manteve-se em Madrid durante seis anos, continuando a publicar os seus livros em Portugal, passando férias na Praia da Consolação, intervindo civicamente na cooperativa Proelium, regressando definitivamente no ano de 1977. No regresso, algo debilitado fisicamente, foi recebido com indiferença pela Academia, que lhe barrou a entrada como professor numa Faculdade. O Ministério da Educação e Cultura também lhe negou um pedido de equiparação a bolseiro. Tudo o que havia para o poeta, independentemente das habilitações, era um horário nocturno na Escola Técnica do Cacém. «Ficou muito quieto, bebendo muito sem nunca se embriagar, tomando muitos banhos frios para não entorpecer, tentando esquecer nos psicofármacos as mandíbulas dos que lhe fingiam apreciar os versos, para o despedir em seguida para o limbo dos inofensivos» (Joaquim Manuel Magalhães). O autor de A Margem da Alegria morreu no dia 8 de Agosto de 1978, na sua casa de Queluz, vítima de um edema pulmonar. Deixou três filhos e uma obra ímpar que os doutores da Academia podem agora apreciar, confortavelmente instalados nos lugares distribuídos onde vão refastelando o descaso:

O VALOR DO VENTO

Está hoje um dia de vento e eu gosto do vento
O vento tem entrado nos meus versos de todas as maneiras e
só entram nos meus versos as coisas de que gosto
O vento das árvores o vento dos cabelos
o vento do inverno o vento do verão
O vento é o melhor veículo que conheço
Só ele traz o perfume das flores só ele traz
a música que jaz à beira-mar em Agosto
Mas só hoje soube o verdadeiro valor do vento
O vento actualmente vale oitenta escudos
Partiu-se o vidro grande da janela do meu quarto

7 comentários:

Vitor Vicente disse...

Henrique, na citação de JMM, falta um "e" em "mecanismos".

Não é para ser preciosista, apenas para assegurar a aliteração com a "merda".

hmbf disse...

obrigado

paulo da ponte disse...

Ruy Belo deixou-nos "...uma obra ímpar que os doutores da Academia podem agora apreciar, confortavelmente instalados nos lugares distribuídos onde vão refastelando o descaso."
Espero que continues a contribuir no Juri do Prémio Nacional de Poesia Poeta Ruy Belo (Rio Maior), como nos vens habituando ultimante.

Luis Eme disse...

não conhecia a história do poeta, contada de uma forma tão pormenorizada. obrigado Henrique.

o que é mais irritante, é ter
acontecido depois de Abril...

malditos pedantes que dominam os meios literários (continuam a ser quase sempre os mesmos...)

gaf disse...

Pode ser uma questão de gosto, mas acho Ruy Belo o melhor poeta português do sec XX. Estes dois textos de hmbf, apesar de sucintos, dão uma visão muito ampla e verdadeira do poeta, principalmente àqueles que o leram pouco. Obrigado. Também me indigno com o silêncio a que o votam os ressabiados mas poderosos "pedantes" (expressão de Luis Eme ali em cima).

hmbf disse...

Paulo, foi uma honra.

Luis, obrigado eu pelo comentário.

GAF, não sei se é o melhor, mas é um daqueles a que mais gosto de regressar. E não me lembro de lhe ter lido um texto... mau. Obrigado eu, pelos comentários.

Unknown disse...

Eu agora não tenho tempo para ler os textos, mas amanhã volto cá de certeza para os ler. Tenho é de dizer já, antes que me escape, que descobri o Ruy Belo em 2009 depois de ter concorrido ao prémio com o seu nome onde o Henrique foi júri. E quando o li fiquei envergonhado com os meus textos porque o Ruy Belo é sem dúvida um poeta enorme. Eu não poderia ganhar um prémio com um nome assim. De um poeta desta categoria. Pelo menos com aqueles meus textos. Mas continuarei a concorrer sempre que tenha inéditos. Eu não vou dizer que o Ruy Belo é o maior, mas é sem dúvida um dos maiores. Pelo menos para mim.