segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

LICENCIADO EM LIBERDADE, DOUTORADO EM RAIVA


Espreito a badana, roubo-lhe a entrada: «Agostinho da Silva, professor, filósofo, ensaísta, novelista, poeta, orador, investigador, tradutor, de seu nome completo George Agostinho Baptista da Silva, nasceu no Porto a 13 de Fevereiro de 1906». Poucos portugueses que estes olhos viram vivos me merecem tanto respeito. José Afonso, Carlos Paredes, poucos mais. Isso não cabe num post, numa evocação desinteressada, ou, como diria Jorge Luis Borges, numa biografia sintética. Ainda assim, convém lembrá-lo as vezes que forem necessárias, não vá o esquecimento cair como uma pedra sobre nomes que importa conhecer para que a sede nos não mate. Os pais de Agostinho da Silva mudaram-se para Barca D’Alva poucos meses após o seu nascimento. Aí passou a infância, recebendo da mãe os primeiros ensinamentos. Em 1912, de regresso ao Porto, inicia uma carreira escolar exemplar. Concluído o Liceu, ingressou na Faculdade de Letras do Porto, onde cursou, primeiro, Filologia Românica e, depois, devido a desentendimentos com Hernâni Cidade, Filologia Clássica. «Em 1928 concluiu uma licenciatura em “Liberdade” com uma tese sobre o poeta latino Catulo e, no ano seguinte, doutorou-se em “Raiva” com a tese intitulada Sentido histórico das civilizações clássicas». Por esta altura, era já colaborador das revistas A Águia e Seara Nova. Após uma breve experiência como professor no Liceu Alexandre Herculano, partiu para França. Entre 1931 e 1933 foi bolseiro da Junta Nacional de Educação na Sorbonne e no Collège de France, travando conhecimento com exilados políticos tais como António Sérgio, Raul Proença e Jaime Cortesão (acabará por casar com a filha deste, Judite Cortesão). Regressou para leccionar no Liceu de Aveiro, onde tinha colaborado com a revista Labor, sendo demitido da função pública depois de ter recusado assinar a Lei Cabral, que o obrigava a jurar não ter pertencido ou vir a pertencer a qualquer associação secreta. Vai como bolseiro para o Centro de Estudos Históricos de Madrid, regressa em fuga da Guerra Civil Espanhola, abandona a Seara Nova, onde havia publicado vários artigos de crítica mordaz ao meio académico português, passa a residir em Lisboa. Entre outras curiosidades, refira-se que teve como explicando o ex-Presidente da República Mário Soares. Em 1942, foi preso pela PIDE na Prisão do Aljube. Abandonou Portugal dois anos depois, rumando ao Brasil, dali para o Uruguai, Argentina, onde leccionou em vários colégios e universidades e organizou cursos de Pedagogia Moderna. Regressou definitivamente ao Brasil em 1947. A actividade de Agostinho da Silva no Brasil será essencialmente pedagógica, trabalhando junto de vários institutos, ensinando em várias Universidades, ajudando a fundar outras, tais como a Universidade Federal de Paraíba ou a Universidade de Santa Catarina. Ao que parece, terá sido o primeiro português a leccionar Filosofia da Educação. Fundou, igualmente, diversos centros de estudos, criando pontes fundamentais entre o mundo lusófono. Em 1964, por exemplo, fundou no Japão um Centro de Estudos Luso-Brasileiros. Em 1939, escreveu O Método Montessori. São imensos os seus escritos de relevância na área da pedagogia. Também assumiu ainda cargos de relevância política junto do Presidente Jânio Quadros. Já com nacionalidade brasileira, concedida em 1958, voltou para Portugal em 1969. O ditador Salazar estava a cair de podre, falava-se na primavera marcelista, mas foi preciso esperar até 1974 para que a flora desabrochasse. Entre 1969 e 1994, ano da morte de Agostinho da Silva, o filósofo leccionou em diversas universidades portuguesas. Reformado pelo Governo Brasileiro, recebeu do Governo de Portugal os retroactivos concernentes aos anos da Ditadura. Viajou, escreveu, foi agraciado com diversas honrarias, tornou-se no mais popular dos filósofos portugueses depois da RTP1 ter emitido um programa intitulado Conversas Vadias, onde o professor se deixava entrevistar por várias figuras públicas. Da sua vastíssima obra, destaco as Sete Cartas a Um Jovem Filósofo (1945, Ed. Do Autor; 1990/1997, Ulmeiro):

«Os artistas, querido Amigo, são uma espécie de lobisomens: obedecem a um fadário, não podem deixar de sacrificar os outros em vez da obra; o que não é, nos melhores, pequeno elemento para que sofram»;

«Quem fala de Amor não ama verdadeiramente: talvez deseje, talvez possua, talvez esteja realizando uma óptima obra literária, mas realmente não ama; só a conquista do vulgar é pelo vulgar apregoado aos quatro ventos; quando se ama, em silêncio se ama: às vezes o sabe a mulher amada, mas creio até que num amor que fosse pleno, em que nada entrasse das preocupações da terra, nem ela o saberia»;

«Nada me irrita como o elogio da juventude: é uma idade pasmosa de ignorância, de petulância, de expedições aventurosas, sem força real que as apoie; famoso tempo para tolices; e se você alguma vez sair da juventude, o que não acontece a muitos homens, verá que também a idade lhe foi ingrata…»;

«Entre as palavras e as ideias detesto esta: tolerância. É uma palavra das sociedades morais em face da imoralidade que utilizam. É uma ideia de desdém; parecendo celeste, é diabólica; é um revestimento de desprezo, com a agravante de muita gente que o enverga ficar com a convicção de que anda vestida de raios de sol»;

«Para cãezinhos de pêlo encaracolado e patinhas que mal aguentam o corpo tenho um fornecimento de almofadas, pires de leite, bolacha macia, perfumes, pentes finos, e nojo».

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