quarta-feira, 3 de março de 2010

O SILÊNCIO DO CHANTAGISTA

Embora as pessoas valorizem o silêncio de um chantagista, e paguem por ele, o silêncio do chantagista não é uma actividade produtiva. As suas vítimas ficariam igualmente bem se o chantagista não existisse sequer e, portanto, não as ameaçasse. E não ficariam pior se se pensasse que a troca era absolutamente impossível. Na perspectiva que adoptamos aqui, quem vendesse tal silêncio podia legitimamente cobrar apenas o que omite pelo silêncio. Aquilo que ele omite não inclui o pagamento que poderia receber para se abster de revelar a sua informação, embora inclua os pagamentos que outros lhe fariam para revelar a informação. Assim, alguém que estivesse a escrever um livro, para cuja pesquisa se deparasse com informação acerca de outra pessoa, informação que caso fosse incluída no livro ajudaria nas vendas, pode cobrar a outro que deseja que esta informação seja mantida em segredo (incluindo à pessoa sobre quem incide a informação) para se abster de incluir essa informação no livro. Pode cobrar uma quantia em dinheiro igual à diferença esperada, em direitos de autor, entre o livro com esta informação e o livro sem a mesma; não pode cobrar o melhor preço que conseguiria obter ao comprador do seu silêncio. Os serviços de protecção são produtivos e beneficiam o seu destinatário, ao passo que a «extorsão de protecção» não é produtiva. Ao ser-nos vendida, por parte dos vigaristas, a mera abstenção destes em lesar-nos, a nossa situação não fica melhor do que se nada tivéssemos a ver com eles sequer.

Robert Nozick, in Anarquia, Estado e Utopia, trad. Vitor Guerreiro, Edições 70, Novembro de 2009, pp. 120-122. Justify Full



São imensos os exemplos históricos que corroboram a afirmação, mas também há daqueles que nos permitem justificar as relações entre os indivíduos num plano moral que ultrapassa a mera relação de deve e haver aqui exposta. Cobrar pelo silêncio é típico. O próprio Estado representa, muitas vezes, o papel do chantagista. Podemos, no entanto, supor uma situação em que nenhum dinheiro possa cobrar o silêncio. Aquele que se presta para dar com a língua nos dentes pode ter vários motivos a justificarem-lhe a intenção. O prestigio que advém, por exemplo, do crédito moral atribuído àqueles que se mostram corajosos e menos flexíveis perante ganhos imediatos. Outro ganho, de tipo kantiano, é aquele que resulta da própria prática do bem, embora eu esteja convencido de que há muito os indivíduos perderam esse sentido do dever que leva alguém a agir, não em benefício exclusivamente próprio, mas em benefício de todos, o que, em abstracto, significa agir exemplarmente. Pagar a um chantagista tem um significado menos formal: é pagar a dissimulação da verdade. No mundo em que vivemos, nada é tão lucrativo como a mentira. O problema está em que aqueles que lucram com a mentira penalizam de um modo impagável as vítimas do embuste. (Estou a lembrar-me da invasão do Iraque.) Quem são essas vítimas? Todos os que são prejudicados pela dissimulação da verdade.

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