quarta-feira, 10 de março de 2010

SÃO AS FORMIGAS



Dórdio Guimarães nasceu no Porto a 10 de Março de 1938. Filho do cineasta Manuel Guimarães, colaborou, desde cedo, nos filmes do pai, primeiro como actor e depois como assistente de realização. O próprio acabou por realizar alguns filmes sobre escritores portugueses e assinou programas de televisão, entre os quais Mátria, apresentado por Natália Correia. Foi jornalista durante vários anos, exercendo a profissão na imprensa escrita, na rádio e na televisão. Como poeta, estreou-se em 1960 com Tempo imediato. Em 1962, co-organizou, com Mário Dias Ramos, uma colectânea de novos autores intitulada Poesia e Tempo. Nesse mesmo ano, conheceu Natália Correia, com quem manterá uma forte amizade reforçada com o casamento em 1990. A vida de Dórdio Guimarães confunde-se com a de Natália Correia, ou «Cynthia», como a apelidava e como a cantou nos livros Cynthia (1964) e Cynthia livro segundo (1968): «Eu toupeira das horas tu amazona / amiga de dormidas árvores». É autor de uma obra que se estende pela poesia e pela narrativa. Em 1967, publicou a novela O Homem das Batalhas e, em 1972, o romance Alexandre Nevski. Colaborou com o projecto musical Fluido, liderado por Paulo de Carvalho, vendo alguns dos seus poemas ousadamente musicados. Dedicou os últimos anos da sua vida à memória de Natália Correia, nomeadamente tentando criar uma Fundação Cultural com o seu nome. Faleceu em Lisboa, a 2 de Julho de 1997. Não coube na antologia:

SÃO OS ELEFANTES...

Na alvorada mais límpida do mais denso sossego
marchando leves e bisonhos para a morte
são os elefantes

quero morrer com essa convicção e essa nitidez
um bailado de astros acordados à mesma hora
jovens sentados na terra tocando suas violas
com seus cantos misturados com os pássaros
e peixes estremunhados por ondas e marés vivas
um dia de cristal abrindo pupilas de alegria
são os elefantes

são os elefantes marchando de manhã para o cemitério
e dançam os corpos de vinte anos com as plantas
e dançam com as pedras com as árvores com as flores
e danço eu que vou morrer ao ar enfim livre
e certamente é a paz que faz mover os paquidermes
e os impele adentro o dia discretos como uma carícia
e os jovens vibram sua voz com a decisão dum canto
de trunfo de anúncio de triunfo
são os elefantes

que só fale a natureza a palavra sem perigo
marcham lentamente bondosos de silêncio e morte
quero morrer feliz e claro vivam os jovens amanhã
são os elefantes

são os elefantes

são os elefantes




Nota: A fotografia foi surripiada ali.

3 comentários:

fernanda aguiar disse...

É interessante que alguém se lembre agora de Dórdio Guimarães. Ainda bem.
Pena sermos poucos os que temos as gravações dos "Fluído", com Paulo de Carvalho a despontar para as grandes e boas aventuras musicais e poéticas.

Nuno Dempster disse...

O Sá com Reis e com tracinho está sem crédito para nada, lato sensu. E como já não é editor, hoje muitos hão-de ter vergonha da mediocridade que antes não tiveram.

Uma belíssima escolha, o poema, e a justiça reposta deste modo.

hmbf disse...

Fernanda Aguiar, já me tinha lembrado do mesmo autor em Outubro de 2006. Ali: http://antologiadoesquecimento.blogspot.com/2006/10/juzo-giz.html .

ND, a vergonha é sempre muito desavergonhada. :)