anos de idade tive a alegria
de viver na solidão da casa e da família,
com um belo jardim à minha volta.
Fiquei, assim, um ser não corrompido
e, fazendo justiça à natureza,
sigo o murchar da floresta
ou o destino do jardim.
Gostei de esquecer a tristeza e a ira,
não ter ideias, não dizer palavras
e nas árvores loucas da infância
sofrer o tormento do génio alheio.
Fiquei de repente fina, como a relva,
alma pura, como as outras plantas,
não mais douta do que qualquer árvore,
não mais viva do que até o nascimento.
Sorria de noite para o tecto,
para o vazio, onde, perto e perceptível,
empalidecia encoberto o óbvio deus
que tem todos os sorrisos e bondades.
Fui tão inevitável paraíso
e estive tão perto da grande bondade divina,
que a trança da testa ─ para mais levemente beijar ─
afastei e dormi profundamente.
Como se por muito tempo, pelos tempos,
eu entrasse mais pela terra e pelas árvores.
Ninguém sabia como o tormento é grande
atrás da porta da minha solidão.
Trad. Manuel de Seabra.
Bella (Izabella) Akhmadulina nasceu a 10 de Abril de 1937 em Moscovo, filha de um tártaro e de uma russa, com raízes italianas, ligada ao KGB. Começou a escrever poemas muito cedo, enquanto trabalhava num jornal de Moscovo e frequentava os círculos literários organizados por Yevgeny Vinokurov. Em 1954, casou-se com o poeta Yevgeny Yevtushenko. Um ano depois começou a publicar os primeiros poemas na revista Outubro. No entanto, a sua primeira colectânea só apareceu em 1962. Nessa altura já havia terminado os estudos no Instituto Gorki de Literatura, tinha-se divorciado de Yevtushenko e juntado a Yuri Nagibin. Com uma poesia apolítica, mais intimista do que era suposto à época, foi sendo popularizada pela transformação de alguns dos seus poemas em canções. Com outros poetas pouco interessados nas loas ao regime, foi granjeando crédito em recitais públicos bastante concorridos. Em 1968, divorciou-se de Nagibin. Um ano depois publicou Lições de Música, o seu terceiro livro, depois de Corda (1962) e A Minha Árvore Genealógica (1964). Voltou a casar, em 1971, com Eldar Kuliev, de quem teve uma filha, Elizaveta Kuliev, também poeta. O casamento durou pouco tempo. Em 1974, Akhmadulina juntou-se ao seu actual companheiro, o artista Boris Messerer. Influenciada pelos acmeístas de Akhmatova, tomou algumas posições a favor do chamado movimento dos dissidentes (Andrei Sakharov, Lev Kopelev, Georgi Vladimov, Vladimir Vojnovich, entre outros). Banida dos meios nacionais, socorreu-se da imprensa estrangeira para fazer ouvir os seus testemunhos. A ousadia valeu-lhe a antipatia da União de Escritores, mas em 1977 tornou-se Membro Honorário da Academia Americana de Artes e Letras. Traduzida em variadíssimas línguas, é hoje considerada uma das mais importantes vozes poéticas russas. Também escreveu contos, ensaios e traduziu autores franceses, italianos, húngaros, polacos, etc..
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