terça-feira, 13 de abril de 2010

WERNER SCHROETER (1945-2010)





MADALENA DE WERNER SCHROETER

Quem me dera ainda tivéssemos a casa da árvore e nela pudéssemos sintonizar longínquas estações, uma mulher com um robe vermelho a caminhar sobre as rochas de uma vasta e revoltosa costa. (E das rochas brotando um pinheiro com anjos barrocos a sangrar das asas cortadas.) Quem me dera ainda tivéssemos várias línguas e uma mesma mulher, um amor lésbico separado à nascença porque à nascença começa a violência, quem me dera ainda a revolta da separação, crianças a brincar num parque infantil e tu a leres no jornal a notícia do mais recente crime cometido pelo assassino das flores. Quem me dera todos os assassinos deixassem uma flor sobre as suas vítimas, um mágico preto, os sonhos enclausurados num quarto exíguo para onde espreitam, através de grades, os olhos curiosos dos transeuntes. Fomos paridos numa estação ferroviária onde chegam e de onde partem, como se fossem turistas, todas as pessoas com que nos cruzámos. Deixam-nos memórias, um relógio a tiquetaquear a degradação material do corpo. Actuam em cabarés de cores berrantes onde buscam o apaziguamento que nunca encontrarão. Porque o cinema é uma provocação, uma fonte de perturbações, o cinema é um homem enforcado à porta de casa, imagens de uma biografia que vai sendo contada como se viver fosse um sonho. Isabelle Huppert a chutar um caldo, o sangue a escorrer-lhe da veia e o veneno a entrar-lhe no corpo, um ballet onírico, a memória de uma música árabe. Vejo um filme, mato-te pela solidão. Tu matas-me pela memória, és uma soprano que visita prisões em Sintra, és uma visitante de reclusos. Eu sangro dos olhos, tu limpas-me as chagas como se eu fosse o teu Cristo. A violência começa à nascença, dela seremos reclusos até à morte. Madalena.

2 comentários:

Sol disse...

Qué lindo homenaje has escrito, Henrique. Qué lindo que lo compartas.
Ansío que un día escribas algo que no me guste y así sentir que no me estoy volviendo una fanática de tu forma de decir las cosas...

hmbf disse...

este texto deve ter mais ou menos um ano. já esteve escrito em verso e era para fazer parte de um livro que há-de ser publicado. não fará. fica aqui.