terça-feira, 18 de maio de 2010

«APÓS A TUA MORTE, SERÁ BREVE O TEU SONO E RENASCERÁS NUM TUFO DE ERVA QUE SERÁ PISADO OU NUMA FLOR QUE O SOL CRESTARÁ»

Em certos casos a lenda vale mais do que a história. E daí? Toda a nossa vida é uma lenda mal contada. Somos apenas elementos de um mito que cada um constrói à sua maneira. A vida dos outros, o que julgamos saber ou poder saber da vida dos outros, servir-nos-á apenas para nos confrontarmos com a nossa própria vida e daí sacarmos os exemplos que nos forem mais pedagógicos Que vale mais? / Sentar-se numa taberna e fazer exame de consciência / ou ajoelhar-se na mesquita, de alma fechada? / Nada me preocupa saber se temos um Senhor / e que fará ele de mim, no final. Nada me preocupa saber se estas palavras foram proferidas por Omar Khayyam ou por um qualquer espírito santo das arábias. Por mim, pode a Bíblia ter sido escrita por Deus, pode Platão ser um heterónimo de Sócrates, pode Deus ser um pseudónimo das coisas perfeitas. Estou-me nas tintas. Se evoco nomes, faço-o como os índios faziam ao evocarem o espírito dos antepassados. Não para conhecê-los, mas para me orientar no caminho da gloriosa estupidez. Ao pé deles, somos sempre recém-nascidos. Baudelaire chamava-lhes faróis. Sejam. Interessa-me a palavra, a que foi escrita, e sobre ela construir histórias que me ajudaram a construir a minha própria história, o meu mito. Leio que Omar terá nascido a 18 de Maio de 1048, em Neyshapur, na Pérsia. Ou terá sido a 25 de Julho? Que importa a data de nascimento de um homem? Importará a quem pretenda fazer dos astros a ferramenta dos seus mitos. Sabes que não tens nenhum poder sobre o teu destino. / Por que te causa ansiedade a incerteza do amanhã? / Se és um sábio, goza o momento actual. / O futuro? Que te reservará? A morte. Essa terá acontecido em 1131, a 4 de Dezembro. Entre o ter nascido e o ter morrido, Omar Khayyam ─ que belo nome tinha, Ghiyath al-Din Abu'l-Fath Umar ibn Ibrahim Al-Nisaburi al-Khayyami ─ foi o que os grandes homens do seu tempo eram. Filósofo, matemático, astrónomo, homem de ciências e poeta hedonista. São famosas as suas Rubaiyat. Se não são dele, a ele ficaram atribuídas. «Rubaiyat é o plural da palavra persa ruba’i que designa uma pequena composição em verso composta por duas linhas, cada uma delas com um hemistíquio ou quebra, que transforma assim essas duas linhas em quatro versos». Exemplo: O vasto mundo: um grão de poeira no espaço. / Toda a ciência dos homens: palavras. / Os povos, os animais e flores dos sete climas: sombras. / O resultado da tua perpétua meditação: nada. Dizem-nos que o poeta andou por terras do actual Afeganistão a estudar sob os ensinamentos do Sheik Muhammad Mansuri, tornando-se posteriormente discípulo de Avicena. Ganhou fama como matemático e geómetra. Outra lenda, diz-nos que foi muito amigo de Nizam Al-Mulk e Hassan Ibn Sabbah. Os três terão feito um pacto que consistia em auxiliarem-se uns aos outros conforme as posições de relevo que viessem a ocupar. Nizam chegou a secretário do sultão Alp Arslan, oferecendo um posto administrativo a Hassan e uma pensão vitalícia a Omar. Graças a essa pensão, pôde o jovem filósofo continuar a estudar e a escrever, sossegadamente, num «jardim de delícias terrenas»: Um pedaço de pão, um copo de água fresca, / a sombra de uma árvore e os teus olhos! / Nenhum sultão é mais feliz que eu. / E nenhum mendigo é mais triste. Um dado curioso: não tendo ficado satisfeito com a oferta do amigo, Hassan Ibn Sabbah ter-se-á refugiado nas montanhas originando a seita dos Hassassin (ou hashshashin, consumidores de hashish). Omar Khayyam, pelos vistos, era mais vinho: Vinho! O meu coração enfermo quer este remédio! / Vinho de perfume almiscarado! Vinho, cor de rosas! / Vinho, para extinguir o incêndio da minha tristeza! / Vinho e o teu alaúde de cordas de seda, ó minha bem-amada! A que outra sabedoria poderemos nós aspirar? Amigo, não faças nenhum projecto para amanhã. Sabes, tu, ao menos, se poderás acabar a frase que vais começar? Amanhã estaremos, talvez, longe deste albergue, Já semelhantes àqueles que desapareceram há sete mil anos. Todas as citações respigadas em: Omar Khayyam, Rubaiyat – Odes ao Vinho, trad. Fernando Couto, pref. E. M. de Melo e Castro, Editorial Estampa, 3.ª edição, Junho de 1999.

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