(Do catálogo de uma exposição)
Os homens são susceptíveis de criar aranhas.
Em todos os cantos há homens em vez de aranhas; em cada homem um canto, sempre, onde nas arrumações do desespero ele pode inventar as suas aranhas.
Falar de vícios quando se leva a mão do jeito de cada um, consecutivas vezes ao mesmo sítio, é desviar o entendimento do acto de criação. E não há vícios na mão solta que se lança no esfomeado jeito de procurar as suas linhas. Entre elas uma há que dignamente atravessa a mão e diz: «procuro pelo menos que as gerações que se me sucedem, me culpem o mínimo que lhes for possível, na vergonha de tiranias a que fui obrigado a assistir». Também o sol que nos foi roubado não era artificial como este que nos vigia.
Salvar a vida não é aprender a nadar; mas é possível, ao comprometê-la, imaginando até ao amor, com o tacto apurado de quem está aprendendo a nadar, o tal jeito esfomeado de procurar as linhas, etc.
Passados os pesados troféus militares, surgem as frágeis aranhas! O chão dará de sua conta o brotar das flores do a-pesar-de-tudo.
Entretanto será difícil distinguir; o chão a ruir, ou as aranhas?
A vida é um perigo: a vida está má para os empresários de dramas alheios. A vida está má para os vendedores de aranhas!
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Depois, mas mesmo muito depois, há as prateleiras dos vícios dos literatos com pesado maxilar superior, que só nelas arrumam o que lhes convém exactamente, mas deixando sempre alguma coisa de fora, que, entalada entre os dois maxilares, lhes mantenha a bocarra aberta. Paciência! Este é o vício que eles têm de se mostrar indefesos depois de perigosos.
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Eu vou-me chegando; são horas de dar comida às minhas aranhas.
O poeta Fernando Lemos nasceu em Lisboa, a 03 de Maio de 1926. Fez os primeiros estudos na Escola António Arroio, prosseguindo depois na Sociedade Nacional de Belas-Artes. A pintura e o desenho aproximaram-no da actividade surrealista lisboeta, tendo participado, em 1952, na famigerada exposição da Casa Jalco, uma casa de móveis e decorações que acolheu escandalosamente as obras de Fernando de Azevedo, Vespeira e Fernando Lemos. Agastado com a claustrofobia da ditadura salazarista, Fernando Lemos partiu para o Brasil em 1953, ano da estreia poética: Teclado Universal. Juntou-se aos exilados da pátria, foi proibido de reentrar em Portugal, naturalizou-se brasileiro. No Brasil, manteve variadíssimas ocupações: de serralheiro a impressor de litografia, publicitário, jornalista, designer, etc.. Foi colaborador do Portugal Democrático, publicando, por exemplo, ilustrações que acompanhavam textos de Jorge de Sena. Cada vez mais ligado às artes visuais, dedicou-se à fotografia. Desenho, pintura e fotografia foram sendo os seus principais interesses. No entanto, Teclado Universal veio a ser republicado e acrescentado ao longo dos anos.
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