quinta-feira, 10 de junho de 2010

DIA DA RAÇA

Camarada Van Zeller, se há doença que nunca se me pegou foi a desse sentimento pátrio que afecta tantos dos meus compatriotas. Assim que me lembre, só uma vez me arrepiei a ouvir o hino nacional (que por acaso é bem ranhoso, já Alçada Baptista o dizia em modos mais diplomáticos): foi quando o ouvi cantado pela selecção nacional de Rugby (que por acaso é um desporto bem pateta). Já escrevi muito sobre Portugal, pelo que me dispenso de voltar a dizer porque me agrada o clima, a gastronomia, a geografia, a cena marítima, a costa (que por acaso tem vindo a ser, ao longo dos tempos, destruída pela incúria e irresponsabilidade dos políticos e dos interesses imobiliários, etc. e tal). Se tivermos em conta a dimensão do país, podemos afirmar com segurança o valor mais que evidente da nossa cultura (artística, científica, literária…). Na filosofia, fomos sempre a modos que cãezinhos domésticos. Vivemos na sombra dos alemães e dos franceses. Não nos podemos gabar da existência de um grande filósofo português, mesmo que possamos sublinhar o contributo de muitos deles para o pensamento da nossa identidade. Temos grandes poetas, lá isso temos. Temos dos maiores poetas que alguma vez existiram neste mundo. E o melhor que temos é a raiz multicultural onde se fundamenta tudo o que somos. De norte a sul, é impressionante a variedade de sons, de tons, de sabores, de trajes que caracterizam um país minorca como Portugal. É mesmo impressionante, porra. Basta escutarmos com atenção o nosso folclore ou saborearmos com paciência a nossa gastronomia. Ora aí tem, camarada Van Zeller, dois elementos do património cultural português que nos devem merecer toda e mais alguma atenção: o folclore e a gastronomia. Não sou apreciador de fado, mas consigo extasiar-me com uma guitarra portuguesa bem tocada. Enfim, somos um país catita. O que lixa tudo, o que sempre lixou tudo, é o povo, é a raça deste povo, na medida em que a entendermos como consequência da vontade das elites. Eu sei que esta ideia é polémica, camarada, mas que se lixe. E que se lixe você também, que tem estado sempre ao lado dos que mais lixam isto tudo. Limito-me a dizer o que penso sem pensar no que digo, camarada. Não me leve a mal o desabafo. Ainda temos um povo deveras inculto, inculto não no sentido vulgarmente empregue de cultura, mas no sentido mais básico, ou seja, naquele sentido em que a cultura é o garante da mais elementar civilidade. Um povo de doutores e engenheiros que não sabem escrever uma porcaria de uma reclamação com princípio, meio e fim. Somos um povo de gente mal-educada (detesto a expressão, mas não me lembro de outra que se aplique melhor ao povo que temos). Por outro lado, somos demasiado bem-educados quando toca a lamber as botas do poder. Isto nota-se, verifica-se, prova-se, sente-se no dia-a-dia, na vida quotidiana, nas ruas. E se demos passos importantes ao nível das liberdades e de uma mentalidade menos tacanha, esses passos foram sempre sombreados por um desinvestimento gritante na educação. Tem sido assim, pelo menos, desde os tempos do cavaquistão (a maior desgraça que aconteceu a este país nos tempos da democracia foi o cavaquistão). Curiosamente, um dos grandes responsáveis por aquilo que somos, por aquilo em que nos tornámos nos tempos da democracia, é nem mais nem menos do que o nosso Presidente da República actualmente. Que mais pode ser dito acerca da qualidade dos portugueses? Um primeiro-ministro ignóbil que voltou ao poleiro com a complacência do povo, o mesmo povo que aguentou 50 anos de ditadura metafascista, esse mesmo povo para quem o poder político se tem estado sempre a borrifar. O PEC e a balela das medidas de austeridade e os pedidos de sacrifício aí estão a prová-lo. Os pintos que paguem a crise, que lá do alto do poleiro as galinhas e os galos continuarão a cagar-se para eles.

2 comentários:

J. Maldonado disse...

Subscrevo inteiramente. Não teria conseguido escrever melhor...

hmbf disse...

...nem eu. :-)