Passei por cima de La cueca larga (1958), livro de inspiração folclórica que, segundo Mario Benedetti, marca uma pausa na produção antipoética de Nicanor Parra. A cueca é um tipo de bailado popular com imensas variantes por toda a América do Sul. Os poemas desse livro aproximam-se, pois, de cantigas populares, tendo alguns deles sido musicados por Violeta Parra, irmã do poeta. Já Versos de salón (1962) recupera as linhas centrais da antipoesia, minando algumas formas poéticas clássicas e parodiando a construção dos poemas e «o paroxismo das formas elevadas da lírica». Outro dado interessante notado por M.ª Ángeles Pérez López é o facto de «em Versos de salón se acentuar uma das características da antipoesia que estava latente em Poemas y antipoemas: a presença de um sujeito poético agressivo, que Schopf explica também como uma forma de “encobrimento emocional”». Os anos que se seguirão à publicação deste livro, serão de grande actividade para o poeta. Viagens, recitais, participação enquanto júri no Concurso Literario Casa de las Américas, órgão cultural máximo da revolução cubana. No entanto, a relação de Nicanor com a revolução não foi pacífica. Após uma visita turística à Casa Branca, no decorrer de um Festival Internacional de Poesia, Parra foi fotografado a cumprimentar a senhora Nixon. Estávamos em 1970, e desde então, ao que parece, o nome de Nicanor Parra não voltou a constar em actividades da Casa de las Américas. Canciones rusas (1967) afasta-se do tom sarcástico dos livros anteriores. É mais nostálgico, evocativo de uma visita à União Soviética realizada em 1963. A ironia dá lugar a um ambiente elegíaco; a morte, o esquecimento, o luto, contaminam os versos. Os poemas tornam-se igualmente mais plásticos e visuais:
ÚLTIMO BRINDE
Queiramos ou não
Temos apenas três alternativas:
O ontem, o presente e o amanhã.
E nem sequer três
Porque como disse o filósofo
O ontem é ontem
Apenas nos pertence como recordação:
À rosa desfolhada
Não se podem tirar mais pétalas.
São apenas duas
As cartas por jogar:
O presente e o dia de amanhã.
E nem sequer duas
Porque é um facto bem estabelecido
Que o presente não existe
Senão na medida em que se faz passado
E já passou…
ÚLTIMO BRINDE
Queiramos ou não
Temos apenas três alternativas:
O ontem, o presente e o amanhã.
E nem sequer três
Porque como disse o filósofo
O ontem é ontem
Apenas nos pertence como recordação:
À rosa desfolhada
Não se podem tirar mais pétalas.
São apenas duas
As cartas por jogar:
O presente e o dia de amanhã.
E nem sequer duas
Porque é um facto bem estabelecido
Que o presente não existe
Senão na medida em que se faz passado
E já passou…
como a juventude.
Bem feitas as contas
Resta-nos apenas o amanhã:
Ergo o meu copo
Por esse dia que jamais chega
Mas que é o único
De que dispomos realmente.
Nicanor Parra, de Canciones Rusas (1967)
Versão de HMBF
Fotografia ao alto: Nicanor Parra, Miquel Grinberg, Allen Ginsberg e Maria Rosa Almendres, Havana, Cuba, Fevereiro de 1965.
2 comentários:
Tão belo que até dói. :)
Também "acho".
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