sexta-feira, 3 de setembro de 2010

CUBISMO LITERÁRIO






Vicente Huidobro foi uma espécie de Giovanni Pico della Mirandola da poesia chilena. Com apenas 23 anos, escrevia isto: «Soy uno de los pocos poetas de hoy que lleva tras de sí una verdadera y enorme labor artística». Uma afirmação destas, no Portugal moderno, era meio caminho andado para ser encostado à boxe pelos «imbéciles que en el mundanal ruido se llaman críticos». De facto, o poeta foi a todas. Do dadaísmo ao surrealismo, da poesia visual aos caligramas, do épico ao prosaico... Uma das fases mais interessantes por que passou é a do denominado cubismo literário, que se define pela descontinuidade do discurso como forma de possibilitar várias combinações lexicais. Hoje em dia, isto não interessa para nada. A maioria dos poetas escreve por escrever, sem preocupações formais de monta nem concepções estéticas fundamentadas. Mas no início do séc. XX o classicismo combatia-se com conhecimento de causa e vontade de mudança. A supressão da pontuação, os espaços em branco, as quebras de verso abruptas, traziam em si não só uma nova estrutura rítmica como também uma intenção plástica que buscava a coerência numa justaposição de imagens que apelava à imaginação do leitor. Desta fase, gosto muito da sequência que tem por motivos a lua e um relógio. Integra o volume intitulado Poemas árticos (1918). Deixo aqui uma versão possível:

LUA

Estávamos tão distantes da vida
Que o vento fazia-nos suspirar




A LUA SOA COMO UM RELÓGIO

Inutilmente fugimos
O inverno caiu no nosso caminho
E o passado cheio de folhas secas
Perde o carreiro da floresta

…………………..Tanto fumámos debaixo das árvores
…………………..Que as amendoeiras cheiram a tabaco

………………………………Meia-noite

Sobre a vida longínqua
…………………………………alguém chora
E a lua esqueceu-se de dar as horas




LUA OU RELÓGIO

As tardes prisioneiras
……………………………….nas vielas frias
E as canções cónicas dos jardins
Andorinhas sem asas
………………………………entre a névoa sólida
Angústia na minha garganta
Sobre a testa a coroa seca
E nas tuas mãos uma estrela fresca
Depois no vale sem sol
………………………………….um mesmo ruído
A lua e o relógio

5 comentários:

Pedro Ludgero disse...

Muito interessante.

Francisco Coimbra disse...

Dar a ver e ajudar a ler, extra!

Rui Manuel Amaral disse...

"Tanto fumámos debaixo das árvores
Que as amendoeiras cheiram a tabaco"

Fogo. Grandes versos.

Amélia disse...

Gosto de ler este poeta nas tuas versões.Abraço

hmbf disse...

Obrigado a todos pelos comentários. Voltem sempre.