segunda-feira, 14 de março de 2011

A RESPOSTA AO PAULO TAVARES

No passado dia 8 deixei aqui um texto sobre o primeiro número da revista Agio. Dois dias depois, o Paulo Tavares e a Sara M. Felício, editores dessa mesma revista, deixaram o seguinte comentário ao meu texto: «Henrique, saindo um pouco da nossa postura quanto a comentar este tipo de crítica, gostaríamos de deixar aqui registado que consideramos este texto relativo à Agio superficial, redutor e repleto de anti-corpos que nada têm que ver com aquilo que, supostamente, deveria ser a análise da revista em si.» Concordei com a apreciação de superficialidade por ser um feroz militante da mesma, o que, de resto, me levou a simpatizar com o artigo de Jorge Martins Rosa, publicado nessa mesma revista, onde se cita Susan Sontag e o seu memorável Against Interpretation. É um defeito que vem de longe, culpa da formação filosófica, este de resistir à presunção de essências, númenos, verdades ocultas e reflexões sobre reflexões que não servem senão para exercitar o espírito dos homens. Prefiro uma lamentação dos índios da América do Norte a Que é Uma Coisa?, de Martin Heidegger - 230 páginas para nos dizer que uma coisa é uma coisa. Portanto, se me acusam de superficialidade recebo a acusação como um elogio. Nas profundezas da terra só conto parar quando estiver morto.

Quanto à questão de o texto revelar uma leitura redutora, já não posso estar de acordo. As leituras são o que são. Neste caso, a minha leitura, assumidamente superficial, não foi redutora, apenas e tão só procurou debruçar-se sobre um objecto onde não encontrou mais que pudesse ser dito do que aquilo que foi afirmado. Que mais haveria a dizer? Que gostei muito do poema do Miguel-Manso que já conhecia do livro Santo Súbito mas achei o original oferecido à revista absolutamente frívolo? Que os poemas do Nuno Dempster são excelentes e que eu espero daqui a dias não ser por ele envenenado numa refeição prometida? Que o ensaio do António Carlos Cortez é uma seca e o do Ricardo Marques está francamente mal escrito? Que os poemas da Soledade Santos estão para o espírito como as compotas que ela confecciona estão para o paladar? Que a entrevista ao Luís Lucas é papel desperdiçado? Enfim, tudo isto são opiniões que a gente pode ou não fundamentar. Num post é difícil sem ser fastidioso. E eu não quis ser fastidioso, quis ser prático. Por isso mesmo avanço para a acusação que não percebi, a acusação de o meu texto estar repleto de anti-corpos, a mesma que foi, entretanto, desenvolvida pelo Paulo Tavares no e-mail aqui reproduzido.

Se bem li o e-mail do Paulo, os anti-corpos explicam-se a partir da leitura que eu fiz da introdução dele ao primeiro número da Agio. Ora, deixem-me recordar o que eu disse a esse propósito:

Tratando-se de uma revista de literatura especialmente inclinada para um género literário, a poesia, subentende-se nas palavras de Paulo Tavares, senão a ambição, pelo menos o desejo de alargar o público da criação poética. Nada a contrapor. No entanto, na nota introdutória deste primeiro número, o mesmo Paulo Tavares afirma que «na génese da Agio não há uma ideia de ruptura ou de inovação a todo o custo». Talvez fosse muito pedir tais custos, mas nunca é demais esperar de uma revista nova a ousadia de, pelo menos, propor algo de novo. E, nesse sentido, apenas nesse sentido, a Agio mostra-se, para já, algo débil e até previsível.

O que eu quero dizer com isto? Talvez mais ou menos o mesmo que Vicente Huidobro dizia quando afirmava o seguinte: Si no se ha de decir algo nuevo, no hay derecho para hacer perder tiempo al prójimo. O que tem a Agio que outras revistas não têm? Do meu ponto de vista, muito pouco. Repete a estrutura, não inova senão na divulgação de nomes menos divulgados, alguns dos quais das minhas afinidades electivas. Esse esforço é meritório, mas não é suficiente para a afirmação de uma publicação colectiva. O leitor exigente, e eu não me considero outra coisa, deve dizê-lo desassombradamente e pedir mais e melhor. O tom não é crítico, muito menos malicioso, como o Paulo sugere, é, antes pelo contrário, exigente. Toda a gente sabe, e eu sei-o por experiência própria e sinto-o todos os dias profissionalmente, que o mercado livreiro português fede de esterco publicado e até promovido na base exclusiva da boa camaradagem. Também toda a gente sabe que os critérios de exigência a nível nacional, neste como noutros domínios, são muito inferiores ao desejável. Menos gente saberá, porque também menos gente se interessará pelo assunto, que a poesia é um género particularmente ameaçado por essa situação. Portanto, todos os investimentos na sua divulgação, promoção, dilatação deverão merecer a nossa simpatia, mas jamais o nosso conformismo. Isso seria o pior de tudo. Cabe-nos um discurso exigente. E esse discurso, do meu ponto de vista, é o da ruptura, é o da desconstrução, tal como o entendo e não como, aqui e acolá, uns por ignorância, outros por implicação, outros por mera e incorrigível estupidez, ele vem sendo treslido.

Quem tenha lido O Meu Cinzeiro Azul saberá o que penso sobre todos estes assuntos. O intróito das Estórias Domésticas também afirma alguma coisa sobre o tema e as Estranhas Criaturas são (des)construções poéticas em prosa do que aqui estamos a falar. Quem não tenha perdido tempo com esses livros, tem a hipótese de percorrer centenas de posts aqui antologiados (este weblog tem cerca de 3250 entradas) onde, ao contrário do que o Paulo afirma, eu não me limito a valorizar o que ele considerará de dúbio mérito literário, mas ouso na afirmação de um homem com frio, esse homem que procura algo mais do que o conforto imediato da aceitação dos seus pares, os quais adoptam recorrentemente o discurso vazio da inutilidade da poesia, ainda que a escrevam, a publiquem e até se arroguem em criticar a dos outros, tanto quanto vão sublinhando a inutilidade da vida, a deles, sem que se dêem ao simples denodo de espetarem um tiro nos cornos. Para mim é uma questão de coerência, escolhi a via solitária e burguesa e nela hei-de caminhar folgazão até ao fim da vida. Desprezo as academias, evito as congregações e sinto-me como peixe na água na minha própria asma.

Não havendo na Agio uma ideia de ruptura ou de inovação a todo o custo, há algo que, está visto, nos liga. E talvez por nos ligar me decepcionou neste primeiro número. Quem tenha lido Revistas Literárias do Século XX em Portugal saberá que uma revista não é só um esforço de divulgação da poesia, perceberá que Orpheu, Presença, entre outras publicações, foram muito mais do que esse simpático esforço. Foram publicações que geraram tensões, contribuíram para uma dinâmica que é a dinâmica da ruptura dos paradigmas, não com o pressuposto de se instalarem enquanto novo paradigma, mas com a vontade de fazerem a produção poética caminhar, pelo risco das ideias, dos manifestos, da afirmação estética, na direcção de um futuro que não se pode resumir a esta modorra entediante do toma lá uns poemas, uns ensaios e umas entrevistas. A afirmação do novo começa, precisamente, na renúnica à novidade, esse triste corolário de um capitalismo que tudo perverte e conspurca com os seus interesses mais ou menos objectivos. Felizmente, não resvala a Agio para os trilhos pantanosos da auto-promoção, como acontece com outras publicações. Ainda assim, o remate parece-me paradigmático:

A Agio surge assim, finalmente, como uma publicação situada nas margens, mas com o propósito de contribuir, à sua medida, que será sempre definida pelos seus leitores, para a dilatação dessas margens.

Nas margens andamos todos, meu caro Paulo Tavares. Uns descalços, outros de chinelos, outros de sapatos Prada.

10 comentários:

Paulo Tavares disse...

Henrique, agora que me começa a faltar um pouco a paciência (e o tempo – pois, não trilhando essa “via solitária e burguesa” e não caminhando nela “folgazão até ao fim da vida”, tenho realmente algumas coisas para fazer), talvez seja conveniente ser sucinto e deixar aqui também o e-mail que me enviaste:

"Olá Paulo. Muito obrigado pelo e-mail. Vou publicá-lo no blog sob a forma de direito de resposta. Penso que pode estar aqui o início de um debate que muito me agradaria levar a cabo. Se há coisa que me vem irritando nos blogs de índole literária é a ausência de um debate sereno e sério sobre o que cada um pensa. O teu e-mail é um excelente contributo para essa discussão. Não me leves a mal que o faça e apaga do teu discurso essa perspectiva de maldade nas minhas palavras. Não só não existe, como me parece muito injusta. Eu não tenho maldade alguma no meu coração. Os melhores cumprimentos, Henrique."

Pode não haver um pingo de maldade no teu coração, Henrique (há amigos em comum que já me fizeram acreditar nisso), mas parece-me que deve haver uma crescente disfuncionalidade na tua cabeça. Como é que estás à espera, sinceramente, depois deste texto, que alguém mantenha contigo um “debate sereno e sério”? Este teu último “post” eliminou qualquer possibilidade nesse sentido, porque nele ressalta tudo menos essa vontade. Aliás, o “post” vai desenvolvendo a sua própria anulação (e a anulação daquilo que seria a discussão central):

"Talvez fosse muito pedir tais custos, mas nunca é demais esperar de uma revista nova a ousadia de, pelo menos, propor algo de novo."

"A afirmação do novo começa, precisamente, na renúncia à novidade, esse triste corolário de um capitalismo que tudo perverte e conspurca com os seus interesses mais ou menos objectivos."

Parece, assim, que acabas por reafirmar aquilo que é dito no editorial (que pode ser lido aqui: http://atravessandooinverno.blogspot.com ) e inicialmente treslido por ti, o que me levaria a perguntar-te, seguindo a tua própria taxonomia, em qual das categorias deveria encaixar essa tresleitura: a) ignorância; b) implicação; c) mera e incorrigível estupidez.

O resto, tirando a tua fraca opinião sobre a maior parte dos poemas, dos ensaios, da estrutura da revista, etc. – opinião com a qual obviamente não concordo – é para esse tal leitor exigente de que falas um exercício contraditório(de alguém com alguns recursos retóricos, é certo, mas que se compraz no enaltecimento da superficialidade).

E nem tudo aquilo que sai da superficialidade, Henrique, se converte num essencialismo.

Soledade disse...

Entre outras coisas que deixo para falarmos quando nos encontrarmos, Henrique, não posso deixar passar sem dizer que esta tua apreciação à Agio é muito injusta.

hmbf disse...

Soledade, do meu ponto de vista – é sempre uma redundância dizê-lo – as apreciações não se fazem para serem justas ou injustas, mas tão-somente para serem honestas, no sentido de respeitarem aquilo que o leitor sente aquando da leitura de um determinado objecto literário. Eu não sou juiz de nada. Que alguém enfatize as leituras que faço não é problema meu. Eu limito-me a ser honesto, antes de mais, comigo próprio, porque estou convencido de que só assim poderei sê-lo com os outros.

hmbf disse...

Paulo, burgueses somos todos. Já dizia o outro. Mesmo quando somos escravos do trabalho mal pago. Seja como for, nada se pode conversar ou debater quando os argumentos descambam para acusações de «disfuncionalidade mental». Eu limitei-me a falar sobre uma revista. Só isso.

Anónimo disse...

Publicar uma revista com alguma coisa de novo é melhor que publicar uma revista sem nada de novo. Mas publicar uma revista é melhor que não publicar revista nenhuma, sobretudo (ou pelo menos) para quem quis publicar nela os seus textos. Pode, claro, tratar-se de auto-promoção. O problema da auto-promoção, assim como das trocas de favores, é que prejudica aqueles que não têm inclinação para a auto-promoção ou para as trocas de favores. Levando a exigência sobre os outros ao limite (é no limite que as coisas se compreendem), alguém poderia razoavelmente considerar corrupta uma pessoa que aceita trabalhar 8 horas por dia com salário de 500 euros, argumentando que tal subordinação estimula a expansão de práticas de dominação que prejudicam várias pessoas ou mesmo a sociedade inteira.
Rui Costa

hmbf disse...

Levando as coisas ao limite, estamos todos corrompidos porque trabalhamos.

jp disse...

O sucesso é uma palavra feia para se poder comer lavagantes e, da minha parte, até gosto das tuas difuncionalidades mentais.

Jorge Melícias disse...

Destas coisas de puesia nada percebo mas posso atestar que não existe um pingo de maldade no coração do Fialho, que ele ajuda velhotas a atravessar a rua e que separa o lixo no ecoponto.

groze disse...

Caro Henrique, decidi apenas comentar este post, tendo vindo, desde algum tempo, a acompanhar, quer o teu blog, quer o do Paulo, por considerar que existem para aqui alguns amargos de boca e algumas injustiças desnecessárias. Conheço o Paulo já há algum tempo e posso (se é que isso interessa) afiançar quem quer que seja das suas boas intenções em relação à Literatura e à Poesia (palavras que, caso te façam impressão assim, maiuscularizadas, podes ler em minúsculas - no sarcasm intended). É possível que tenha havido teimosias e atitudes de irascibilidade de parte a parte (também nesse ponto conheço o Paulo, sim), mas parece-me que há, da tua parte, acusações mais mal fundamentadas.

Seja como fôr, nada disto terá grande impacto no facto de continuar a gostar bastante de ler, quer Henrique Manuel Bento Fialho, quer Paulo Tavares, cada um a seu modo, mais ou menos burgueses, mais ou menos inovadores (mesmo que, cada vez mais, não saibamos muito bem o que seja isso, e acaba por ser quase sempre uma condição de "mas, afinal, a minha «escola» literária é esta"), mais ou menos essencialistas, narrativos, experimentais, camonianos ou pessoanos ou etc.-e-tal.

Diz-me a caixinha de comentários que a moderação foi activada. Henrique, factualmente, a moderação é uma coisa muito bonita, e tinha ficado bem a ambos, sim, mas particularmente a ti, mais um bocadinho dela.

Sem mais assunto, um abraço.

hmbf disse...

Uma pergunta, uma simples pergunta:

«há, da tua parte, acusações mais mal fundamentadas»

Quais são essas acusações?

E um comentário, um simples comentário:

O que o Paulo Tavares é ou deixa de ser como pessoa não me interessa particularmente, não tenho amargos de boca relativamente a nada (quais haveria de ter?), não quero saber de Literatura e de Poesia, de mundos literários e poéticos, de correntes e descorrentes. Isso é-me tudo compelta e redondamente indiferente. Sempre foi, sempre será. Se só aguentam opiniões positivas e elogios, não venham aqui, não me leiam, vão para casa, façam a vossa vida, não me liguem, não me mandemn livros, não me convidem para nada, façam o favor de me ignorar. Eu não levarei isso a mal. Antes pelo contrário, até agradecerei. Mais claro e objectivo que isto não consigo ser.