domingo, 26 de fevereiro de 2012

CHÁ DE TÍLIA

Camarada Van Zeller, pelo tom da conversa tendo a acreditar que o fim da crise passa por acções tão simples como administrar uma injecção letal a todos os desempregados e deixar de prestar os serviços mínimos nas urgências. As taxas moderadoras diminuíram as filas de espera, os velhos já não entopem os corredores dos hospitais, e os que ainda entopem, acamados e sem cura para as pústulas, podiam deixar de entupir: retire-se-lhes a medicina. Longe das vistas, abandonados em suas residências, poderão desaparecer em silêncio deixando-nos a consciência em descanso. A lógica é mais ou menos a mesma que permitiu Salazar fazer história, garantindo assim a sua popularidade junto dos vindouros: estabilizar Portugal à custa da miséria dos portugueses. Eis como se ergue uma nação e se almeja o estatuto de português mais importante do séc. XX. Daqui a 100 anos, talvez caiba a honra ao prof Cavaco. Para já comemos com ele durante 20 anos em lugares de poder, admirando os seus minutos de silêncio, as suas reservas e tabus, a coragem com que enfrenta alunos em fúria e se mostra espantado com o caos que gerou, a sua incapacidade para falar de boca cheia enquanto enche a boca dos crápulas deste país. Tudo estará bem enquanto tivermos o prof Cavaco a consolar-nos a falta de civismo generalizada, a sinistralidade nas estradas, a violência doméstica, os esquemas, a tão celebrada espertice dos portugueses. Somos um povo que se faz por merecer. E se na China constroem redes à volta das fábricas para aparar a queda dos operários com tendências suicidas, isso só quer dizer que por cá vamos bem. Temos o último gadget à mão, somos felizes. Que a nossa felicidade satisfaça os escravos afastando-os de fatídicas tentações. Sobre a consciência pouco mais pesará do que uma voluntária ignorância, o peso de um iPad que afastou da miséria dos campos o jovem escravo agora enclausurado na miséria das cidades. Não querermos saber mantém-nos puros. Um homem foi feito para trabalhar, não foi feito para se suicidar. Mas camarada Van Zeller, diz-me a bola de cristal que em Portugal hão-de construir-se chineses. São as ironias do destino, os impostos com que a História se faz cobrar. Com os olhos em bico, poderemos continuar a apontar o cigano que vive do rendimento mínimo, o calão que mama do subsídio de desemprego, a dona branca que foge aos impostos. Somos lestos a concentrar energias na direcção dos elos mais fracos, deixemos cavacos, hortas, loureiros e limas branquearem os colarinhos. O que se quer é um país com botões de punho. Crimes de milhões não valem tostões. Os portugueses só se preocupam com pentelhos. Logo, têm os catrogas que merecem. E a ladainha continua: «O Estado já gastou com o BPN 2,4 mil milhões de euros»; «A CGD registou nas contas de 2011 perdas de 922 milhões de euros associados a empréstimos a três sociedades-veículo criadas pelo BPN»; «A CGD já financiou o BPN em 5,4 mil milhões de euros»… Talvez devêssemos candidatar-nos ao PRODER. Transformamos um barracão a cair de podre num chalé, vamos para lá fazer turismo rural... e aí passaremos o resto dos nossos dias a ler o Público, a descascar laranjas, a servir chá aos amigos. Se tivermos amigos. No PRODER.

1 comentário:

Claudia Sousa Dias disse...

Um belo que que, espero que não se importe, tive a liberdade de partilhar com os meus amigos no facebook...