terça-feira, 29 de maio de 2012

THE TREE OF LIFE



Quando informam Pocahontas sobre a morte do Captain Smith, ela fica inconsolável e tem aquele gesto poderoso de se cobrir com cinzas. O mesmo fazem os amigos de Job ao saberem do seu desespero, atiram cinza por cima das cabeças. Este tomo do Antigo Testamento é a chave para a compreensão do filme The Tree of Life (2011). Ninguém compreenderá com substancialidade o quinto filme de Terrence Malick sem ter lido o livro de Job. De resto, não é por acaso que aparece em epígrafe. Uma família honesta na américa dos anos 50 vê-se atingida pela maior das desgraças, a perda de um filho. O infortúnio instala a dúvida, golpeia a fé, atira cinzas por cima da dor. Lembramo-nos de Santo Agostinho, da sua dor confessada perante a perda de um amigo. Mas é Job quem ecoa no coração das personagens, é a sua incompreensão do sofrimento e a sua vontade de questionar Deus sobre a justiça das suas opções.

Este é, também por isso, o mais ambicioso e porventura enigmático dos filmes de Malick. Nele voltamos a encontrar a cidade de Deus em oposição ao mundo natural, a graça e a natureza enquanto caminhos opostos que o cinema procurar conciliar. Nesse sentido, The Tree of Life é um filme de fé na linguagem cinematográfica enquanto veículo de aproximação ao divino. Os diálogos são mínimos, várias falas em off revelando pensamentos, confissões, dúvidas, inquietações, conjecturas acerca das direcções que apontam para Deus. Mas é este quem fala quando se recria a criação do Universo, a partir de pressupostos científicos que têm tanto de cosmológico como de teológico. Porque Deus mostra-se através da Natureza ou, como em Job, através das montanhas por si deslocadas, da terra estremecida, das constelações, do mar profundo, da abóbada celeste.

O que nos leva a Deus é, pois, a questão essencial do filme, explorada a partir de exemplos clássicos aqui possíveis de reconstruir com o recurso a uma montagem rigorosa e imagens de uma beleza inclassificável. Apercebemo-nos com facilidade, ao revermos os filmes de Terrence Malick, do percurso necessário para chegar a este ponto. Reparemos nos inúmeros planos filmados de baixo para cima, como que em busca de uma luz proveniente das moradas do divino. Os troncos das árvores, e a luz que rasga as copas lá no alto, as quedas de água, um ritmo que acompanha meditativamente a longitude dos tempos, atravessando épocas e penetrando o coração da vida. No fundo, o flashback neste filme não é um mero recurso narrativo como noutros filmes. Ele é a própria essência da história aqui contada, é pura ciência, como a árvore evocada por Job quando questiona a triste condição humana:

Uma árvore tem sempre esperança;
mesmo que a cortem, brota de novo
e não pára de produzir rebentos.

A família pode ser o microcosmo a partir do qual se representa o conflito eterno entre a graça de Mrs. O’Brien (Jessica Chastain) e a natureza de Mr. O’Brien (Brad Pitt). Deus e a Natureza estão em conflito no interior de um dos filhos, o jovem Steve (Tye Sheridan). Mas este conflito não é de resolução fácil, não tem nada de simplista, desloca-nos para as forças que sustêm o mundo, lhe dão fundamento e fazem de nós, homens, ínfimas partículas efémeras, aglomerados de células, no centro da vastidão universal. O que torna tudo mais aceitável, compreensível e até lógico é a percepção de que o sagrado se manifesta, precisamente, onde ao longo dos tempos nos ensinaram estar o Inferno: na Natureza. As cenas finais são redentoras, poéticas, supõem um encontro improvável entre mortos e vivos, novos e velhos, como que numa confluência de universos paralelos, num mesmo espaço apaziguador, numa praia atravessada pela brisa ligeira da única mentira que ainda vale a pena alimentar, a mentira do amor.

3 comentários:

redonda disse...

Como mentira?

hmbf disse...

O que não pode ser dito em poucas palavras não deve ser dito em poucas palavras. Talvez fique para prosas futuras.

Miguel Pestana disse...

Ontem falei com um amigo que disse ter visto este filme 4 vezes, e então percebeu até que ponto ele é sublime.

Eu, só o vi uma única vez, e é por isso que continuo com a mesma opinião em relacção a ele:

http://silenciosquefalam.blogspot.pt/2011/10/filme-arvore-da-vida-tree-of-life-2011.html

A sua opinião está muito boa!