quarta-feira, 17 de outubro de 2012

PAÍS FACEBOOKEADO


O Correio da Manhã deu a notícia, e o povo, fazendo fé do jornalismo de referência praticado pelo periódico em causa, deu eco à situação tal como ela lhe chegou. A cruel directora de uma escola teria privado uma criança de uma refeição, sentando-a no refeitório a ver as outras crianças deglutirem o bife do dia, qual torturadora nazi, e proibindo uma caridosa auxiliar de acção educativa de levar o pão à boca faminta da humilhada criança. De imediato se fizeram petições exigindo a demissão do carrasco, a indignação proliferou como erva daninha, misturada com uma raiva e um ódio que, vivêssemos na Idade Média, teria justificado justiça pelas próprias mãos em plena praça pública. E a senhora directora já estaria enforcada. O país está perigoso, insuportavelmente perigoso. Aprofundada a notícia, ficamos a perceber o problema. E entre a compreensão do problema e a pintura sensacionalista que o Correio da Manhã lhe ofereceu vai uma enorme diferença. Lembrei-me logo dos alunos que solicitavam apoios sociais chegando de jeep à escola, gozando com o parque automóvel degradado dos docentes ao mesmo tempo que pegavam no seu telemóvel última geração para pedirem aos encarregados de educação mais uma declaração de rendimentos falsa. Vi disto às centenas nas poucas escolas onde trabalhei, e lembro-me muito disto agora. Afinal, a directora da escola tentou resolver um problema que se arrastava há mais tempo do que o suportável e, pelos vistos, colocava em causa o apoio dado às outras crianças. Os miúdos não têm culpa, é certo, de ter uns encarregados de educação irresponsáveis, que recusam justificar o porquê de não pagarem os almoços, como outros fizeram ficando isentados de pagar ou negociando o valor exigido. É um caso entre muitos que pode levar-nos a perguntar ao povo, que na praça pública vocifera e aponta a directora da escola, o que faria se, tendo uma loja aberta, lhe aparecessem reiteradamente a pedir fiado os mesmos clientes, sem justificar o porquê da dívida acumulada e, muitas vezes, ostentando um modo de vida que não deixa perceber o porquê das dificuldades. Bem sei que uma escola não é um negócio, e que o estômago da pobre criança não é responsável pelo que se passa à sua volta (por isso lhe terão levado pão e leite, mais um lanche reforçado), mas cabe interrogar-nos sobre o que fazer quando o vício nos bate à porta: alimentá-lo ou tentar corrigi-lo? Eu sou pela segunda opção, e por isso defendo um ensino verdadeiramente gratuito e público. Mas para que tal seja possível é fundamental que todos os cidadãos sejam responsáveis e sérios, o que está longe de se realizar muito por culpa, lá está, do estado degradante a que deixámos chegar a educação em Portugal. As redes sociais e o sensacionalismo fazem o resto.

3 comentários:

cenas underground disse...

Eu duvidei logo da veracidade integral da notícia, mas mesmo assim, a situação não é justificável, porque como disse e bem, uma escola não é uma loja. Se existem dividas elas devem ser tratadas pelas autoridades competentes. Uma directora de uma escola não pode ter carta branca para usar os meios que tem ao seu dispor para cobrar dividas. Da mesma maneira que uma faculdade não pode anular licenciaturas por haver propinas em falta. São dois assuntos separados, a divida, e a prestação de serviço.

cenas underground disse...

Mesmo assim, a situação não é justificável. Como disse, e bem, uma escola não é uma loja. Se existem dividas, elas devem ser cobradas pelas autoridades competentes. Uma directora de uma escola não pode ter carta branca para usar todos os meios que tem ao seu dispor para cobrar dividas. Da mesma maneira que um estabelecimento de ensino não pode anular uma licenciatura por falta de pagamento das propinas. São duas coisas diferentes, o pagamento e a prestação de serviços. Seria o equivalente, por exemplo, a um hospital ter um contrato com um fornecedor de energia, o estado demora a pagar, o hospital vê a luz cortada. Não vale tudo para cobrar dividas.

cenas asunderground disse...

Este comentário não é para ser publicado, apenas para o informar que tive alguma dificuldade em provar que não era robot, e no processo, acho que submeti dois comentários praticamente iguais, pelo que um deles poderá ser ignorado. Obrigado.