Camarada Van Zeller, este Natal ficará marcado pela decomposição
do mito. Perdoe-me a sofisticação do discurso, mas estou em crer que também eu,
com algum treino, podia ser especialista em alguma coisa. Podia ser
entrevistado em jornais de referência, podia ser convidado para programas de
informação de referência, podia ser citado por jornalistas de referência, podia
transformar-me numa referência para opinantes vários, disseminados pelos mais
diversos canais onde a opinião circula como bosta no esgoto. Ficámos então a
saber que o Pai Natal existe, chama-se Artur Baptista da Silva. No país dos
Silva, este Artur podia ser um alto destacado das Nações Unidas para um
putativo centro de estudos, podia ser consultor do Banco Mundial, podia ser
professor numa universidade norte-americana. É óbvio que no país dos Silva tudo
é sempre o que não parece e o que parece nunca é, pelo que este Artur, afinal,
foi antes parte do Conselho de Fiscalização do Sporting nos gloriosos tempos de
Jorge Gonçalves, o bigodes, esteve preso por burla, abuso de confiança, emissão
de cheques sem cobertura, é um tonto com perfeito domínio dos dossiers. Quem lhe deu cobertura, e não foi pouca, foram os
media portugueses, sempre exigentíssimos na averiguação das fontes e criteriosos
no aprofundamento e na investigação das notícias. Mas num tempo em que a
notícia se confunde com a opinião, sem rede protectora a proteger os trapezistas
da doxa que não seja o mero acto de aparecer - porque, como sabemos, neste mundo
de auto-estradas informativas quem não aparece não existe -, ser um Silva com
lábia é tudo quanto basta para apanhar o Expresso da Meia-Noite. "Vai-se a ver",
as auto-estradas são carreiros de cabras, o expresso uma carroça puxada por
dois burros, o mundo uma ilusão. Camarada Van Zeller, o Noel existe e chama-se
Artur. Esta história é linda porque torna clara e inequívoca, cartesianamente
evidente, a debilidade da opinião publicada. Muitas vezes nos interrogamos
sobre o que saberão aqueles que aparecem canal sim, canal não, programa sim,
programa não, a proferir banalidades em retórica bem ou mal articulada. Interrogamo-nos
sobre se terão tido tempo para estudar os assuntos sobre os quais proferem as
mais convincentes asserções, já que é tanto o tempo que passam a saltar de
canal em canal repetindo teses e argumentos. Se gastam tanto tempo a opinar, que tempo lhes restará para estudar? Ora aí está mais um Silva a dar
conta da superficialidade de tudo isto, do chamado universo mediático e das suas
constelações. Ora aí está a mais perfeita ilustração de um reino onde o vago, o
fútil, o laxismo, a vaidade, a ausência de espírito crítico, em suma a
incompetência e, pior, a promoção dessa mesma incompetência ao serviço da
MENTIRA, dita regras e precipita um burlão na parangona dos homens que merecem
ser escutados. O barrete do Pai Natal só o enfia quem quer. Não fosse trágico,
isto seria cómico. Porque isto é, afinal, da mesma ordem daquilo que mete Relvas no
poder e os livros do Camilo Lourenço no top de vendas das livrarias nacionais. Isto é mais um sintoma
de uma sociedade alicerçada no facilitismo sem o mínimo sentido da exigência
que a verdade reclama. Isto é Portugal, o país dos Silva, dos messias, do nevoeiro, das aparições. Isto é todo um povo sumariado.
3 comentários:
É o chamado Portugal no seu melhor. Como dizia Marx, a fase final de um sistema político é a comédia. Há já demasiado tempo que vivemos em comédia e 2013 afigura-se como o ano da comédia total. Um comédia triste, a de um país a definhar, sem rumo e sem sentido.
Nem mais. Grande texto. A verdade tem realmente às vezes formas tão inesperadas e fascinantes de se manifestar que não há "previsão" que lá chegue. Se calhar é mesmo essa a única maneira de dar a ver a imensidade do embuste...
«(...)
Não, Àrtur, se tenho dó
é de mim, que, para ti,
pelo que vi e não comi,
um peixe nunca vem só...»
de Amigos Pensados:Àrtur,in Feira Cabisbaixa, Alexandre O'Neill
Enviar um comentário