sábado, 5 de janeiro de 2013

WE OWN THE FORESTS


Informa a Wikipédia que Eidskog é um município do condado de Hedmark, na Noruega. Etimologicamente, o nome da região junta palavras que remetem para as suas características físicas: um caminho entre dois lagos e bosques. Foi aqui, entre lagos e bosques, que nasceu o poeta norueguês Hans Børli (1918-1989). A sua origem é uma família pobre, de madeireiros, fortemente enraizada no árduo labor da floresta. Leitor insaciável, começou a escrever poesia no termo da jorna. À noite, enquanto os camaradas de trabalho descansavam, Hans Børli escrevia poemas. Muitos. A sua poesia reflecte com clareza a influência quer do lugar geográfico que ocupa, quer da sua condição social, resvalando por vezes para um tom crítico que acaba disfarçado por uma frequente postura contemplativa. We Own the Forests and Other Poems (Norvik Press, 2ª edição, 2007) recolhe alguns dos seus poemas, em edição bilingue, com versão inglesa de Louis Muinzer. Uma breve mas cativante amostra de uma poesia transparente, mas não óbvia, que estabelece uma relação com a natureza tão devota quanto intimista, colocando o poeta num espaço intermédio entre a voz e o silêncio. Os poemas de Børli coleccionam silêncios, as melodias da floresta, o restolhar do vento e a dança das árvores à sua passagem, descobrindo mensagens secretas na paisagem e sugerindo linguagens, vozes, mistérios nos rios, na fauna, na flora, no ambiente dos bosques. Um certo tom reflexivo relembra-nos autores como Ralph Waldo Emerson e Henry David Thoreau, mas mais que transcendentalista Hans Børli é um humanista refugiado na solidão da floresta. Não se trata de uma poesia insensível ao mundo. São múltiplos os exemplos em que se torna política e até social, como nesses dois poemas que evocam Louis Armstrong (p. 71) e a sul-africana Miriam Makeba (p. 79) ou no poema Muro da Vergonha, publicado em 1984. No poema Louis Armstrong podemos ler a seguinte estrofe: «Vês todas as mãos brancas, Satchmo? / Estão a aplaudir. / Mãos que ferem, mãos que enforcam, mãos / que dividem uma escuridão suave e fértil / com a cruz incendiada do ódio. / Agora aplaudem. / E tu tocas, meu velho. Cantas / Uncle Satchmo’s Lullaby. O teu suor escorrendo, a tua respiração / pesando. Um sol recolhendo-se rapidamente / na boca brilhante da tua trompete. / Como as lágrimas numa garganta. // …the trouble I’ve seen» (p. 71). Não obstante, estas inclinações impõem-se enquanto manifestação de solidariedade para com os mais fracos, os humilhados e oprimidos, sem qualquer intuito que não seja o de exprimir um autêntico sentimento de fraternidade. No poema que oferece título à recolha, um dos mais conhecidos do poeta, os ricos opõem-se às suas gentes, aos homens e mulheres que têm a floresta como uma criança tem a mãe. Os ricos podem adquirir vários acres de floresta, mas jamais possuirão o murmúrio do vento ou o pôr-do-sol. Jamais escutarão a música da fogueira ateada numa noite solitária, jamais sentirão o perfume da terra ou compreenderão as mensagens que correm no silêncio das águas de um rio. A riqueza da vida numa gloriosa solidão, que tem por companhia a simplicidade, é a mensagem silenciosa que o leitor se sente convidado a ler nestes poemas. Longe dos ruídos urbanos, de uma ruína plástica enfadonha ou da torrencialidade de escritório, mas próximo dos homens que aí sobrevivem por não ser indiferente às suas dores. Não têm escola estas imagens, são poderosas porque vêm de onde vem toda a boa poesia, ou seja, da vida:

POESIA

Eu era inculto, grosseiro e monótono,
não tinha os modos dos bem-falantes,
guardei-me para as palavras ásperas
que se usam nos trabalhos grosseiros.
Mas por momentos o meu coração foi uma pedra
no monte ensolarado da vida: a Poesia da Borboleta Apolo
nela pousou casualmente,
aí ficando a bater as suas asas em flor.

 (de The Day is a Letter, 1981)

2 comentários:

Soliplass disse...

É um poeta estimado cá de casa, também porque usei daquele estilo de vida por pinhais portugueses. Pena que só consiga lê-lo no original a muito custo por causa do termos que usa, regionalismos, expressões do dialecto local, etc.

Ainda bem que gostaste do velho Børli.

Traduzi-lhe aqui um poema que muito gosto (a machada): http://ancorasenefelibatas.wordpress.com/2012/11/05/hans-borli-a-machada/

Um abraço e não faças fogueira com a foto do cavaco... de lixo tóxico não podem vir boa fumigação.

hmbf disse...

Seguiremos com Erling Kittelsen, que li hoje a meias com uma novela muito a propósito do Henry James: «O Mentiroso».

Abraço, obrigado.