quinta-feira, 28 de março de 2013

THE SONS OF KATIE ELDER (1965)

Confessava-me ontem um amigo que nunca foi especial apreciador de western por julgá-lo um género demasiado óbvio. São assim as pessoas sofisticadas, preferem o que não compreendem ao que julgam compreender. Estou a provocar, como é… óbvio. Mas tome-se de exemplo um filme como The Sons of Katie Elder (1965). Obviamente, trata-se da história de quatro irmãos que tentam descobrir porque foi o pai assassinado e morreu a mãe na miséria. Todos os filmes, mesmo quando parecem menos inteligíveis, têm no subsolo motivos igualmente básicos. Não obstante, os motivos não esgotam as acções e estas, mesmo quando parecem óbvias, resultam inevitavelmente do entrecruzamento complexo de vários elementos.
Henry Hathaway (1898-1985), que já aqui referimos a propósito de True Grit, o filme que valeu a John Wayne um Oscar, está longe de ter sido um realizador ingénuo. Os seus filmes contam histórias aparentemente simples, é certo, como simples, afinal, são todas as histórias da vida, mas não será por acaso que os surrealistas, isso mesmo, se interessaram tanto por alguns dos seus filmes - Peter Ibbetson (1935) à cabeça -, sendo Os Quatro Filhos de Katie Elder um dos momentos altos da sua vasta cinematografia. Num elenco onde pontificaram o inevitável John Wayne e Dean Martin, parelha inesquecível de Rio Bravo (1959), voltamos também a encontrar Dennis Hopper. Seja como for, a presença mais activa no filme é Katie Elder, personagem representada apenas pelo nome e pelas evocações efectuadas ao longo da narrativa.
Figura ausente, nesse sentido oposto ao que normalmente nos leva a considerar uma coisa presente, Katie Elder determina a acção. Ela é a principal referência dos quatro filhos, John, Tom, Matt e Bud, que se reúnem, passados dez anos de separação, para o funeral da mãe. Não sei se isto, por si só, garante a The Sons of Katie Elder uma complexidade que o resgate da mediania, mas é, certamente, um pormenor que faz a diferença. Katie Elder não é um fantasma, não é um ídolo nem tão-somente uma referência simbólica, ela é o espaço do inconsciente que se manifesta nas dúvidas, nas hesitações, nos receios, na revolta e nas angústias dos quatro filhos. Nós nunca a vemos, mas ela está sempre lá. Homens rudes, rijos, personificações do antigo Oeste, os quatro filhos de Katie deixam cair a máscara quando se lhes coloca o imperativo de honrarem a memória da mãe.
Toda a gente na cidade de Clearwater recorda Katie como uma mulher lutadora, justa e bondosa. Toda a gente na cidade de Clearwater se cala quando surgem sobre a mesa as razões da sua morte, o seu fim solitário, separada dos filhos que defendeu e desculpou até ao último dos seus minutos, a viver miseravelmente numa casa emprestada, depois de haver perdido para os Hastings, numa transacção com contornos por esclarecer, o próspero rancho onde criou a família. Todos estes mistérios vão sendo esclarecidos “paulatinamente”, não sem que vários conflitos sejam travados e o pior do ser humano surja sobre a tela como a nódoa sobre a mesa. O que torna o filme especial não é o que ele mais tem de comum com outros do género: os tiroteios, a acção, as manigâncias, os negócios obscuros, os cenários, a música épica. O que torna este filme tão especial é de outra ordem.
Se bem nos atentarmos, a questão essencial aqui retratada é a questão das expectativas. No momento da verdade, marcado pela morte da mãe, o que se espera de nós? Que continuemos a fugir como sempre fugimos? Que procuremos a verdade? Que enfrentemos o inimigo ou que soçobremos às suas mãos? Espera-se que honremos os mortos como nunca honrámos os vivos? Espera-se que mudemos, que permaneçamos indiferentes aos outros, que arrumemos as nossas incertezas e respondamos às dúvidas que nos assolam? Espera-se que atiremos para cima dos outros a culpa que recai sobre os nossos ombros ou que assumamos a responsabilidade pelas nossas decisões? Neste sentido, todo o filme é como que uma sessão terapêutica onde John, Tom, Matt e Bud são deitados no divã da verdade e forçados a encarar as suas próprias fraquezas, os seus vícios e defeitos, as suas ambiguidades. E esta é uma questão intrinsecamente humana, porventura óbvia, demasiado óbvia, para quem não pretenda atacá-la sem subterfúgios nem dissimulações.

1 comentário:

rff disse...

Sofisticada é a tua tia, a quem obviamente desejo o melhor, até porque conheço a Sra.!...

Ontem quase que me convenceste com essa tua saga.

Abç