Confessava-me ontem um amigo que nunca foi especial
apreciador de western por julgá-lo um género demasiado óbvio. São assim as
pessoas sofisticadas, preferem o que não compreendem ao que julgam compreender.
Estou a provocar, como é… óbvio. Mas tome-se de exemplo um filme como The Sons
of Katie Elder (1965). Obviamente, trata-se da história de quatro irmãos que
tentam descobrir porque foi o pai assassinado e morreu a mãe na miséria. Todos os
filmes, mesmo quando parecem menos inteligíveis, têm no subsolo motivos igualmente
básicos. Não obstante, os motivos não esgotam as acções e estas, mesmo quando
parecem óbvias, resultam inevitavelmente do entrecruzamento complexo de vários
elementos.
Henry Hathaway (1898-1985), que já aqui referimos a
propósito de True Grit, o filme que valeu a John Wayne um Oscar, está longe de ter
sido um realizador ingénuo. Os seus filmes contam histórias aparentemente
simples, é certo, como simples, afinal, são todas as histórias da vida, mas não
será por acaso que os surrealistas, isso mesmo, se interessaram tanto por alguns
dos seus filmes - Peter Ibbetson (1935) à cabeça -, sendo Os Quatro Filhos de
Katie Elder um dos momentos altos da sua vasta cinematografia. Num elenco
onde pontificaram o inevitável John Wayne e Dean Martin, parelha inesquecível
de Rio Bravo (1959), voltamos também a encontrar Dennis Hopper. Seja como for,
a presença mais activa no filme é Katie Elder, personagem representada apenas pelo
nome e pelas evocações efectuadas ao longo da narrativa.
Figura ausente, nesse sentido oposto ao que normalmente nos
leva a considerar uma coisa presente, Katie Elder determina a acção. Ela é a
principal referência dos quatro filhos, John, Tom, Matt e Bud, que se reúnem,
passados dez anos de separação, para o funeral da mãe. Não sei se isto, por si
só, garante a The Sons of Katie Elder uma complexidade que o resgate da
mediania, mas é, certamente, um pormenor que faz a diferença. Katie Elder não é
um fantasma, não é um ídolo nem tão-somente uma referência simbólica, ela é o
espaço do inconsciente que se manifesta nas dúvidas, nas hesitações, nos
receios, na revolta e nas angústias dos quatro filhos. Nós nunca a vemos, mas ela está sempre lá. Homens rudes, rijos,
personificações do antigo Oeste, os quatro filhos de Katie deixam cair a
máscara quando se lhes coloca o imperativo de honrarem a memória da mãe.
Toda a gente na cidade de Clearwater recorda Katie como
uma mulher lutadora, justa e bondosa. Toda a gente na cidade de Clearwater se
cala quando surgem sobre a mesa as razões da sua morte, o seu fim solitário,
separada dos filhos que defendeu e desculpou até ao último dos seus minutos, a
viver miseravelmente numa casa emprestada, depois de haver perdido para os
Hastings, numa transacção com contornos por esclarecer, o próspero rancho onde
criou a família. Todos estes mistérios vão sendo esclarecidos “paulatinamente”,
não sem que vários conflitos sejam travados e o pior do ser humano surja sobre
a tela como a nódoa sobre a mesa. O que torna o filme especial não é o
que ele mais tem de comum com outros do género: os tiroteios, a acção, as
manigâncias, os negócios obscuros, os cenários, a música épica. O que torna
este filme tão especial é de outra ordem.
Se bem nos atentarmos, a questão essencial aqui retratada
é a questão das expectativas. No momento da verdade, marcado pela morte da
mãe, o que se espera de nós? Que continuemos a fugir como sempre fugimos? Que
procuremos a verdade? Que enfrentemos o inimigo ou que soçobremos às suas mãos?
Espera-se que honremos os mortos como nunca honrámos os vivos? Espera-se que
mudemos, que permaneçamos indiferentes aos outros, que arrumemos as nossas
incertezas e respondamos às dúvidas que nos assolam? Espera-se que atiremos
para cima dos outros a culpa que recai sobre os nossos ombros ou que assumamos
a responsabilidade pelas nossas decisões? Neste sentido, todo o filme é como
que uma sessão terapêutica onde John, Tom, Matt e Bud são deitados no divã da
verdade e forçados a encarar as suas próprias fraquezas, os seus vícios e
defeitos, as suas ambiguidades. E esta é uma questão intrinsecamente humana,
porventura óbvia, demasiado óbvia, para quem não pretenda atacá-la sem subterfúgios
nem dissimulações.
1 comentário:
Sofisticada é a tua tia, a quem obviamente desejo o melhor, até porque conheço a Sra.!...
Ontem quase que me convenceste com essa tua saga.
Abç
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