Por
falar em Anthony Mann (1906-1967), justamente considerado por críticos e
historiadores um dos mestres do western, a par de John Ford (1895-1973), reparei
que ainda não referi nenhum dos seus filmes nesta digressão. Muitas vezes
obnubilado pelo sucesso crítico dos seus pares, Anthony Mann deixou-nos um
legado impagável no domínio do western. Clássico dos clássicos, ofereceu ao género uma luminosidade
capaz de sintetizar em breves planos-sequência os grandes temas. É o que sucede
no início deste The Tin Star (ridiculamente editado em Portugal com o título Sangue
no Deserto), quando um homem chega a uma cidade transportando um cadáver. A cidade
pára para o observar, as pessoas olham-no com desconfiança e desprezo, algo atónitas,
enquanto a câmara nos mostra o braço retesado do morto caindo sobre o dorso do
cavalo. O homem que o transporta atravessa a cidade, não com indiferença, mas
com determinação, atraindo sobre si todas as atenções. Sabemos, a partir desse
momento, que se instalará uma tensão entre ele e a comunidade onde acabara de
chegar. E é essa tensão que dominará a narrativa. O forasteiro é Morgan Hickman
(Henry Fonda), caçador de prémios que larga no posto do inexperiente sheriff Ben
Owens (Anthony Perkins) o cadáver de um fora-da-lei sobre o qual recaía um
razoável prémio de captura. Ficaremos então a saber que naquela cidade os caçadores
de prémios não são bem-vindos, preferindo-se aquilo a que os homens do poder
chamam de julgamentos justos. Acontece também que o foragido
capturado é familiar de Bart Bogardus (Neville Brand), um indivíduo racista e radical
que disputa com Ben Owens o lugar de sheriff. Entre eles, uma diferença de
carácter essencial. Bart Bogardus pretende ser sheriff para disparar
sobre quem entender, anseia pelo poder com a intenção de o exercer
arbitrariamente. Ao contrário de Ben Owens, para quem a justiça está acima do
poder. Mas Ben é ingénuo e inexperiente, confia na estrela que traz ao peito
como se ela fosse suficiente para merecer o respeito e o civismo da comunidade. É um
idealista entre brutos que foram educados a odiar os índios, a temer a
diferença, a manipular as massas em benefício próprio. Morgan Hickman
desempenhará um papel importantíssimo no meio desta contenda,
servindo-se da sua experiência para abrir os olhos a Ben Owens e refrear os
ânimos de Bogardus. Mas esta simplicidade narrativa esconde no seu âmago uma
dimensão ética muito mais profunda. As sequências finais, em que Bogardus reúne
metade da cidade para capturar mortos ou vivos, o que significa mortos, os
irmãos McGaffey (um deles é Lee Van Cleef), e o sheriff Ben Owens se vê sozinho
reclamando uma captura que garanta aos criminosos a justiça dos tribunais
contra a justiça popular, revelarão uma inflexão no comportamento de Morgan
Hickman que o recolocará perante a comunidade. Daí que o filme termine com
Morgan abandonando a cidade sob o cumprimento dos populares com quem se cruza,
depois de a ela ter chegado numa situação completamente adversa. Digamos que a
vitória do bem sobre o mal neste western simples não é meramente retórica, pois
na sua clareza Anthony Mann ergue uma reflexão sobre a solidão dos homens
que lutam por uma sociedade mais justa. Esta espécie de homenagem à coragem, determinação
e integridade do sheriff é, igualmente, um retrato impiedoso da volatilidade
das massas e uma crítica manifesta ao poder que actua invariavelmente em função
das conveniências, largando os ideais na penumbra. Há um aspecto convencional neste filme que
cativa, por nele a mensagem política ser transmitida com a evidência do bom
exemplo. O resto é ritmo, puro ritmo, que haveremos de perseguir noutros westerns
do mesmo realizador.
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