Camarada Van Zeller, eis que chegamos ao bendito 13 de
Maio. É verdade que ainda hoje sofremos a síndrome messiânica do rei
desaparecido, aquele por quem esperamos e não volta, o salvador da pátria que, provavelmente,
se ficou pelas terras do deserto a pastar escorpiões. Ainda assim, o nosso país
é dado a aparecimentos. Pena que aprendamos tão pouco com eles. Lá para as
minhas bandas, certo dia apareceu Nossa Senhora a pairar sobre uma oliveira. O
Carlos Alberto, que a viu, tinha então onze anos e, se bem sei, desde esse dia
tornou-se vidente. Morreu novo. O meu pai conta-me que chegou a ir em
peregrinação ao local onde o Carlos Alberto viu aparecer uma luz radiante. Subiu
aos telhados, esfregou os olhos, não viu nada do que toda a gente afiançava
ver. A frustração foi tão grande que a minha avó levou-o em consulta. A
uma vidente. Quando não vemos o que os outros vêem, devemos consultar videntes.
Os oftalmologistas servem para tratar cataratas. Essa tal vidente não só curou
o meu pai dos olhos, como também de terríveis males de olhado. São milagrosos,
os banhos de argila na Nazaré, onde, lá está, um dia apareceu Nossa Senhora a
D. Fuas Roupinho. A luz que apareceu na Asseiceira foi identificada como pertencendo
ao espírito de Maria, mãe de Jesus, um espírito muito dado a mostrar-se pelas
aldeias do meu país. Aparece sempre muito belo e luzidio. Não sei de aparições
em que Nossa Senhora, seja ela da Nazaré, de Fátima ou da Asseiceira, se tenha
mostrado esfarrapada, como provavelmente viveu e morreu. As santas,
normalmente, choram lágrimas de sangue e emitem espantosos raios de luz. Nunca
se peidam e, desconfio, nenhuma delas é menstruada. Isto chateia-me, gostava
que as aparições tivessem o toque naturalista da poesia contemporânea. A minha
avó também se referia muitas vezes à Santa da Ladeira do Pinheiro. Julgo que de
vez em quando visitava-a para ser benzida. A Santa da Ladeira dava bons
conselhos, embora não esteja provada a influência das suas capacidades mediúnicas
na construção do jazigo milionário onde se encontra sepultada. Há uma relação
estranha entre a capacidade de contactar com os mortos e a saúde das contas
bancárias. Estou mesmo em crer que os mortos são um factor produtivo
extraordinário no nosso país. O Ministro da Economia devia pôr os olhos nisto,
visse ele alguma coisa. Ou então podia ir a Fátima a pé, acendia uma vela pelos
portugueses, comia um pastel de nata, orava ao Senhor que concedesse a Gaspar o
dom da mediunidade. O Gaspar devia ler os livros do Allan Kardec, todo o
Governo devia fazer um estágio na Federação Espírita Brasileira para aprender
como se metem os mortos a produzir quando dos vivos não podemos esperar mais do
que um estado de espírito zombie, apático e indiferente. Tenho a certeza de que o Carlos
Alberto, os três pastorinhos e a Santa da Ladeira têm muito a ensinar, com o
seu exemplo, aos políticos portugueses. O povo seguiu-os, ouvia-os, respeitava-os.
Se bem repararmos, figuras de Estado como Salazar ou mesmo Cavaco têm qualquer
coisa de videntes. Por isso o povo os segue, os ama, os respeita e os escuta.
Os devotos de Salazar, assim como os devotos de Cavaco, não olham para eles
como políticos. Não vêem homens pragmáticos, vêem antes videntes, médiuns,
espíritas, alguém que consegue falar com os mortos exercendo sobre os vivos o
poder das aparições. Os célebres tabus de Cavaco equivalem aos segredos de Fátima,
são revelações aparentemente banais capazes de nos distrair da realidade
enquanto esta vai sendo ajustada às necessidades do consumo. Os políticos
portugueses têm que assumir definitivamente uma outra atitude. Não pode ser só
a Ministra da Agricultura a rezar para que chova, tem que ser o Passos Coelho a
entrar em transe, a falar com Deus na demanda da salvação onde ela pode ser vislumbrada. Isto é, no mundo
dos mortos. No mundo do António José Seguro.
5 comentários:
:)
Maria, há que meter os mortos a trabalhar, já que os vivos andam mortos de tanto trabalho.
Há 2 ou 3 dias que pensava em começar a rezar para pedir a alguma Santa a aparição de um novo post... Felizmente não foi preciso!
já nem a santa nos livra destas pústulas, henrique, julgo mesmo que ela até contribui para que elas proliferem pois com os seus falsos milagres de lantejoulas só faz é amodorrar a malta... tristeza que é ver voltar em força os três malfadados efes...
Tu blog sobre las apariciones y las santas desastradas es lo mas divertido que he leido ultimamente.
Sigue por favor
Nora
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