quarta-feira, 22 de maio de 2013

RAPAZ DE 16 ANOS DESTRÓI DOUTORADA EM DIRECTO

O título deste post reproduz a forma como tem vindo a ser apresentado nas redes sociais o fragmento do Prós & Contras que opôs um jovem empreendedor de 16 anos à historiadora Raquel Varela. É um título que diz muito sobre o que andamos a discutir, nomeadamente sobre a reacção da plateia ao aplaudir o argumento simplista do jovem Martim: «Mais vale ter o ordenado mínimo do que estar desempregado». Não me preocupam as palmas. Afinal, os portugueses são capazes de aplaudir o Tony Carreira, jovem empreendedor que fez fortuna a plagiar melodias alheias, oferecem a um político medíocre como Cavaco 20 anos de poder e elegem um ditador como o “maior português de sempre”, ao mesmo tempo que engordam a audiência de lixo televisivo como o Big Brother e perpetuam nos tops de vendas porcarias como O Céu Existe Mesmo ou As Sombras de Grey. Os portugueses são muito dados a aplaudir. Mas neste caso aplaudem algo mais grave do que parece.
Sem querer especular sobre as razões de cada um para a simpatia demonstrada por mais este tesourinho deprimente da televisão portuguesa, devo dizer que olho para o título supracitado e tremo de déjà vu. O que ali está implícito é aquele gostinho saloio de menosprezar o saber e o conhecimento. Afinal, um puto deu uma abada a uma doutorada. Viva! Isto lembra-me os alunos que durante dez anos de docência me foram abrindo os olhos, dizendo que não gostavam nem queriam estudar porque tinham um irmão licenciado no desemprego. Logo, estudar não servia para nada. Quando aplaudimos este vídeo devemos ter consciência do que estamos a aplaudir, porque o eco desse aplauso mais uma vez nos obriga a colocar a pergunta fundamental: que país queremos? Eu quero um país onde o conhecimento seja valorizado, onde o saber seja valorizado, onde a cultura seja valorizada, onde o empreendedorismo seja valorizado. Mas o empreendedorismo não é bom nem mau em si mesmo, como outra coisa qualquer à excepção do mal que é sempre mau.
E isto os portugueses sentem alguma dificuldade em entender, como certamente terão dificuldade em perceber que a doutorada destruída por um rapaz de 16 anos é igualmente empreendedora. É empreendedora na sua área, a do conhecimento, a do saber, a da investigação. Certo que isso não importa. No país em que vivemos, cada vez mais essas são áreas inúteis, porque as pessoas estão interessadas, sobretudo, em contas bancárias recheadas. O culto da superficialidade e do tudo vale representado, a título de exemplo, no lixo televisivo é disso prova. Assim como a popularidade de porcarias várias que nos permitem alimentar ilusões. Olhem-se as bancas da imprensa escrita com sentido crítico. A figura do intelectual enxovalhado, mais ainda se tiver sido por um fedelho imberbe, excita os portugueses. E isto não tem nada que ver com a importância do empreendedorismo, muito menos num país onde muitos dos que aplaudem o rapaz quase de certeza nunca mexeram uma palha para fazer o que quer que fosse de verdadeiramente empreendedor. É humano que assim seja.
O empreendedorismo é sempre discutível. Não me alongarei no empreendedorismo, mas gostava que recordassem este artigo sobre Prémios de inovação e empreendedorismo. Ali está, por exemplo, a famigerada empresa A Vida é Bela, que em 2005 recebeu o Prémio Gesventure, conseguindo assim «visibilidade junto dos bancos, dos clientes e dos fornecedores». O que entretanto se viu já pertence à história. Outro exemplo do que podemos esperar do empreendedorismo cego ficou recentemente patente numa derrocada no Bangladesh. Mas adiante, que o problema do argumento lançado pelo jovem empreendedor no programa que agora estimula o debate é de outra dimensão. O Martim diz que mais vale o ordenado mínimo do que estar desempregado. Ou seja, mais vale pouco do que nada. O Martim até pode estar certo, mas este tipo de argumento é perigoso. Sobretudo se for esvaziado de reflexão e sentido crítico, transformando-se numa bandeira que permitirá, por exemplo, dar razão a quem defende a sensatez de se baixar o salário mínimo.
Porque não? Havendo quem se disponha a trabalhar por menos, e há sempre quem se dispõe a trabalhar por menos, porque não baixar o salário mínimo? As pessoas que aplaudem o Martim certamente não aplaudiriam com a mesma efusividade o imigrante empreendedor que vem para Portugal trabalhar em quaisquer condições que lhe sejam oferecidas. Mas ele, o imigrante, nada tinha de onde veio. É melhor pouco do que nada. No limite, trabalhar a troco de arroz é melhor do que não ter arroz para comer. É isto que torna o argumento do Martim estúpido, mas mais estúpidas ainda as pessoas que defendem argumentos destes. Porque a gente sabe bem que para além do mau há sempre o pior, mas isso não invalidade que o mau seja mau. E voltamos à questão essencial: que mundo queremos? O mundo acrítico e simplista do Martim, onde mais vale viver miseravelmente do que não viver, ou o mundo exigente da Raquel, onde a vida não faz sentido sem os mínimos de qualidade que a exploração laboral a toda a hora ataca?

24 comentários:

Inês Ramos disse...

Nem mais!

Jovita Capitão disse...

Concordo que a vida deve ser mais do que trabalhar em troca de "arroz", no entanto este assunto é discutível. Pois, assim como existe muita gente Licenciada que luta todos os dias por uma vida melhor e corre em busca de mais e mais conhecimento, também existe muito boa gente inteligente, que não teve oportunidade para estudar, no entanto tem a mesma determinação e a mesma Postura para alcançar coisas maiores. É tudo uma questão de perspectiva e de nos colocar no lugar do outro.

http://rainhadasinsonias.blogspot.pt/

Ana A. disse...

Belíssimamente analisado!

Ivo disse...

Henrique, ler "O Inverno Do Nosso Descontentamento" do Steinbeck ajuda a interpretar o post? ^
Conheço Mães que passam noites com os filhos de 3/4 anos a ver Big Brother. Quando lhes digo que não o deviam fazer, que é 'perigoso', riem-se. E agora, que fazer?
Não vi esse tal Martim porque há uns meses que desisti de ver televisão, prefiro ler qualquer post deste blog do que embrutecer de comando na mão durante 1 ou 2 horas consecutivas.

Jovita, porque é o assunto discutível?

Ivo disse...

Melhor!... Logo depois de escrever o comentário anterior, abri a página do youtube, e enquanto esta não abria pensava o que procurar para ver o tal Martim. Surpresa surpresa, nem preciso fazer nada porque é '1ª página'. Deve ser realmente importante. Vejo ou não vejo?... Para salvaguardar a minha sanidade mental não deveria ver, mas se não vejo vou estar desinformado: "Então não viste? Epá foi espetacular!". E agora Henrique?

Vilas disse...

Sobre a questão de desvalorizar o conhecimento, tem parcialmente razão. Porque no outro lado da dicussão estão (a maioria dos) professores universtiários sem nenhum conhecimento sobre a vida "para além da Academia". E é isso que o Zé Povinho condena. Malta que fala do alto da sua torre de papers publicados em revistas que nunca lemos, e que nunca pisou o chão de uma fábrica.

hmbf disse...

Caros Vilas, nestas coisas não importa o que somos ou deixamos de ser. Ainda assim, eu sou "anti-academista" declarado. Este weblog tem dezenas de posts onde isso está patente.

Quanto ao caso em si, eu digo: «Sem querer especular sobre as razões de cada um para a simpatia demonstrada por mais este tesourinho deprimente da televisão portuguesa, devo dizer que olho para o título supracitado e tremo de déjà vu.» E, para mim (acho redundante ter que o dizer), o que está em causa na popularidade do excerto fica claro no título que alguém deu ao vídeo viral: RAPAZ DE 16 ANOS DESTRÓI DOUTORADA EM DIRECTO.

Treta. Não destrói nada, porque o argumento do rapaz é estúpido. E o que a Raquel Varela afirma faz todo o sentido. Mas é óbvio que as pessoas, no geral, adoram generalizações e chavões a esforçarem-se minimamente para pensar de um modo crítico o mundo que as rodeia. Por isso estamos como estamos.

hmbf disse...

Agora, Ivo? É fazer uma corridinha para abater a barriguita. Inté,

Mário Pedro disse...

Desculpa Henrique, mas na minha opinião este teu texto passa ao lado de tudo o que se relaciona com o famigerado episódio, que nitidamente não compreendeste. Mais não fizeste do que interpretar e falar sobre ele de forma tão demagógica quanto os que assim defenderam o argumento do miúdo. Pior do que isso, acabas alinhado com a atitude descabida da “doutora”, a defender a sua visão obsoleta e desfasada do mundo e a bater em miúdos. Tss, tss... *abanado a cabeça desalentado*

Ivo disse...

Bem que preciso, ter começado a trabalhar (sentado) e substituir as horas passadas no café e na rua por leitura avantajou-me o perímetro de cintura :(
E sabe que mais? Hoje ao jantar comentei com 2 pessoas, 25 anos, formadas em Direito, o 'caso'. Comentário que obtive: "perdeu uma boa oportunidade de estar calada a Doutora. Ele respondeu muita bem." Desejei ter um buraco para desaparecer dali, quis crer que não tinha ouvido aquele disparate. "Não achas que respondeu bem?" insistiu. E eu, na minha ignorância, disse a única coisa que se pode afirmar neste 'caso': ele está a nivelar por baixo. Não perceberam. Obviamente, calei-me. O tempo lhes explicará a minha resposta.
E fiquei a saber de certas características sociais do jovem em causa que (dogma meu?) justificam a excelente tirada destrutiva(?).

hmbf disse...

Mário, porque não compreendi o episódio?

Mário, onde está a demagogia nas minhas palavras? E, já agora, ao responderes responde também porque não é demagógico o argumento do Martim.

O resto não interessa, é subjectivo. E, já agora, a doutora chama-se Raquel Varela. Espero que o facto de ser doutora não seja defeito por si só.

MJLF disse...

A conclusão que tirei do caso foi:pior que o ordenado minimo é o desemprego, pior que o desemprego é a escravatura, mas pior que a escravatura só mesmo a estupidez. E o slogan estúpido do vídeo viral no youtube: "Rapaz de 16 anos destrói doutorada em directo". E nisso, Henrique acertaste em cheio. Diria mesmo que se trata de cyberbulling, mas não temos 16 anos, não é Henrique? Não é Mário?Cyberbulling é um fenómeno juvenil. A Raquel Varela também não tem 16 anos, se tivesse talvez deixasse de estudar. Ela é adulta e tem feito um bom trabalho de investigação. Existem académicos que são sérios e trabalham, tal como existem os que não o são. O Martim é apenas um miúdo e respondeu de forma espontânea, ainda não percebeu muito bem o mundo. Quanto ao povo, não te esqueças que temos uma abstenção que oscila entre os 40% e os 60%, é capaz de não ser assim tão mau ;)
Saúde bjs para toda a tribo

Mata disse...

Cagar e limpar o cu à mão é melhor do que deixá-lo cagado? Depende, claro, do que queiramos que cheire a merda...

Pedro disse...

Ó homem. A mulher é doutorada pelo ISCTE. Só isto é para risota de partir um gajo. E o puto que vá para o caralho. No meu tempo ter uma DT é que era sinónimo de engatar as gajas giras. Agora é preciso abrir uma empresa com o dinheiro dos papás. Puta de inflação.

Ivo disse...

"No meu tempo ter uma DT é que era sinónimo de engatar as gajas giras. Agora é preciso abrir uma empresa com o dinheiro dos papás. Puta de inflação." =)) Muito boa definição de inflação. Felizmente também vivi nesse tempo. Testar quem conseguia pôr a ponteira mais barulhenta, quem conseguia dar mais broca no piston sem empaviar aquela trampa toda!! Bons tempos... Cambada de paneleiros dos putos hoje passam o dia agarrados ao telemóvel e ao facebook, não percebo :)

Mário Pedro disse...

Para mim o episódio não tem que ver com a razão da Raquel, nem com a banalidade das palavras do Martim. Porque ambos têm razão, cada um do seu estreito ponto de vista, que nem sequer são antagónicos.
Claro que a "doutora" não tem mal, acho é estranho que tenhas notado que ela é doutora, mas pareces não ter notado que ele é um "miúdo". Nenhuma das coisas tem mal nenhum, mas ambas são mais determinantes que a posição “ideológica”, que pareceu terem assumido. Esperamos de doutores sabedoria e experiência, coisa que já não é requisito para o título, mas no mínimo uma prudência e uma atitude construtiva, tendo até em consideração o interlocutor. Esperamos de um miúdo que tenha o sangue na guelra, que queira aprender, que seja pró-activo, coisa que pelos vistos o miúdo é. Eu até sou pela maior responsabilização dos adolescentes nos assuntos quer da comunidade, quer da economia. E não gosto de paternalismos. Mas há limites. Além do que, não podemos passar a vida a dizer mal dos miúdos e quando aparece um que pelo menos tem um espírito pró-activo, descarregamos-lhe em cima o fardo do homem branco e todas as iniquidades da civilização ocidental. Para mim isso é desproporcionado, e como foi feito, estúpido.
Para mim o episódio tem a ver com uma atitude descabida de uma pessoa com a idade e a formação da Raquel a esgrimir argumentos contra uma pessoa com a idade e a formação do Martim. Mas como se isto não fosse mau, e como diz o presságio de que quem se mete com crianças arrisca-se a ficar borrado, a painelista Raquel Varela levou um baile nas respostas rápidas de um miúdo que estava na audiência. Patético.

Mário Pedro disse...

Quanto à tua leitura.
Não sei quem condensou a frase do título, nem como, nem porquê, não interessa. Para mim cheira a David vs. Golias, coisa que já excita as hostes há muito mais tempo do que o bullying a intelectuais. Mas não contente com esta contextualização, chegas a colocar as coisas de forma a que roçam o patético. E imagino-te a dizê-lo sem te rires e não consigo: “o mundo exigente da Raquel, onde a vida não faz sentido sem os mínimos de qualidade que a exploração laboral a toda a hora ataca”. E o que me parte, nem é a ideia de que “a vida não faz sentido” – isso é uma conclusão que tu tiras várias vezes ao dia por razões muito diversas –, o que me parte é mesmo a do “mundo exigente da Raquel”. Qual mundo? O que é que eu ando a perder por não conhecer a Raquel? É que não estás certamente a falar do mundo académico. Sei que não tens muito respeito por essas instituições...

Mário Pedro disse...

Mas a questão principal aqui é outra. Pelos vistos, quer tu, para chegar onde querias, quer outros, para irem em direcções opostas, resolveram resumir o argumento do miúdo a pouco e nada.
Partes de “Mais vale ter o ordenado mínimo do que estar desempregado”, transformas a teu belo prazer em “mais vale ter pouco do que nada”, para no final falares de “O mundo acrítico e simplista do Martim”. Isto sim, parece-me um caminho acrítico e simplista.
Dizer que o miúdo estava a insinuar que “mais vale pouco do que nada”, para mim, não vale. Não foi isso que ele disse. Se quisermos ser honestos ele estava a defender-se como podia de uma mulher que o estava a pôr em causa. E usou uma banalidade. Se quisermos ser honestos e literais, ele não falou de pouco nem de nada. Tanto "ordenado mínimo" como "desempregado" são coisas legais, organizadas pelo Estado, reconhecidas pela sociedade, são tangíveis e são bem concretas. Pouco e nada, são coisas que dizemos, muitas vezes quando não sabemos do que estamos a falar. O miúdo não tem nenhuma responsabilidade no facto de o ordenado mínimo nacional ser indigno. Seguramente nem sabe que é das coisas mais tristes das sociedades organizadas de hoje que haja pessoas que apesar de terem trabalho a tempo inteiro e apesar de ganharem um ordenado por inteiro, ainda assim os seus rendimentos estejam abaixo do que como sociedades organizadas consideramos a linha da pobreza. O Martim nem sabe a vergonha que todos devemos sentir por o ordenado mínimo português ter chegado a 2007 abaixo dos 400 euros. Não sabe como é escandaloso que só se decidissem a alterar a situação no momento de maior aquecimento da economia mundial, mesmo antes da maior crise das nossas vidas. Concordo contigo e com a doutora que este não é um caminho e que é preciso evangelizar todos e especialmente os miúdos para a importância de defender a cada passo, a cada hora a dignidade humana. O Martim não sabe nada disto e a doutora que poderia e deveria explicar-lhe, não estava seguramente a tentar.

Reduzir a condição de desempregado a “nada”, é aprofundar um preconceito das nossas sociedades, que nestes tempos que correm se junta a uma profunda tragédia. Simplesmente, lamentável.

Mário Pedro disse...

Para terminar a concordar contigo, digo-te que sim, o empreendedorismo pode ser bom ou mau. Pode ser uma solução, mas é muitas vezes uma falácia. Para mim faz tanto sentido o governo incentivar o empreendedorismo, como faz incentivar a emigração. Nenhum. É daquelas áreas em que o estado apenas tem responsabilidades em acabar com preconceitos e facilitar as vontades individuais, mas não incentivar. O do Martim não parece ser dos piores, pois se bem percebi, não explora crianças chinesas, apenas explora portugueses com idade para serem explorados legalmente.
Mas sei bem que apesar de não o assumires és completamente contra qualquer tipo de empreendedorismo, pela simples razão da palavra não existir. Essa sim, uma instituição que eu sei que tu respeitas. A palavra.
E aqui, no empreendedorismo, concordo contigo: prefiro o ócio mil vezes. Muito mais produtivo. Mas como estou desempregado tenho tido pouco tempo para ele. Excepção feita para este tempo que estou a despender a discutir contigo, o qual desde já sinceramente te agradeço, pois era coisa de que já tinha saudades. Abraço.

hmbf disse...

Para já, não tenho tempo para responder a isto tudo. Mas bastou-me ler as primeiras linhas do teu comentário para ficar logo a perceber que, afinal, foste tu que passaste ao lado do que escrevi. Porquê? Quando afirmas: «acho é estranho que tenhas notado que ela é doutora». Eu não notei que ela era doutora, até porque sei que é, já li livros dela e isso me é indiferente (como, de resto, bem sabes). Quem notou que ela era doutora foi quem partilhou o vídeos nas redes sociais com o título de que me apropriei, em tom irónico, obviamente (o texto é explícito nesse sentido), para este post. O que digo é, e está escrito, basta lê-lo: O título deste post reproduz a forma como tem vindo a ser apresentado nas redes sociais o fragmento do Prós & Contras que opôs um jovem empreendedor de 16 anos à historiadora Raquel Varela. É um título que diz muito sobre o que andamos a discutir, nomeadamente sobre a reacção da plateia ao aplaudir o argumento simplista do jovem Martim: «Mais vale ter o ordenado mínimo do que estar desempregado». (...) Sem querer especular sobre as razões de cada um para a simpatia demonstrada por mais este tesourinho deprimente da televisão portuguesa, devo dizer que olho para o título supracitado e tremo de déjà vu. O que ali está implícito é aquele gostinho saloio de menosprezar o saber e o conhecimento. Afinal, um puto deu uma abada a uma doutorada. Viva!»

Isto está claro para ti?

Mário Pedro disse...

Não. Insisto: Para mim a excitação pelo episódio vem de ser um David contra Golias. E foi disso que se tratou. Que haja quem interpretou como afirmas, acredito. Mas que validade tem essa interpretação? Houve quem interpretasse um confronto esquerda/direita e deve ter havido quem interpretou que ela estava excitada com o miúdo.
Mas indo por essa abordagem: Desde quando é que a Raquel Varela ou outra pessoa qualquer representa o saber e o conhecimento de tal forma que as reacções por ela se armar em parva sejam um ataque ao “saber” e ao “conhecimento”?
E a ser um ataque a alguma coisa que ela represente, é um ataque ao academismo (como mencionou o Ivo acima). Um ataque ainda merecido. E se queres um bom exemplo, tens o Gaspar e todo o seu suporte “científico” para os disparates que vai fazendo.
Pelo que, no máximo estaremos a falar de um ataque a uma representante das instituições que se apropriaram do saber e do conhecimento e se isolaram em mundos claustrofóbicos ao ponto de proporcionarem episódios como este que só desprestigiam as instituições que representam, ou tentam representar. Para não falar do facto de ela ser funcionária pública... Mas isso são mais 500.

hmbf disse...

Pronto, não há diálogo possível. Eu pergunto-te alhos, tu respondes com bugalhos.

O que eu perguntei foi: ficou claro para ti que não fui eu que reparei no "doutora"? E tu vens-me com essa argumentação.

O meu post também não tem nada contra o Martim, pelo que não compreendo minimamente as deduções que manifestas nos teus comentários. O meu post é todo ele contra o elogio de respostas simplistas para problemas complexos. As pessoas tendem a simplificar o mundo que as rodeia como se tudo fosse apenas preto e branco, depois são apanhadas em contramão e ai coitadinhas que não era aquilo que pretendiam.

Vê o "Ladrões de Bicicletas", com os desgraçados contra os desgraçados enquanto à volta da desgraça os "gordos" vão arrumando o mundo à medida dos seus interesses.

Ataque ao academismo? Man, antes fosse. O Gaspar não estaria no Ministério. Mas está.

E depois vens com esta: «no máximo estaremos a falar de um ataque a uma representante das instituições que se apropriaram do saber e do conhecimento e se isolaram em mundos claustrofóbicos ao ponto de proporcionarem episódios como este que só desprestigiam as instituições que representam, ou tentam representar». Foda-se!! Deves estar com uma dificuldade persistente no uso social de formas verbais e não verbais de comunicação. :-)

Numa coisa concordamos: o miúdo disse uma banalidade. É um facto. E as pessoas gostaram. Talvez porque não estão atentas aos relatórios sucessivos sobre exploração laboral, tráfico de pessoas humanas, suicídio no trabalho, etc., etc., etc... Houve uma que até me disse que isto era demagogia. Ok. Um gajo mata-se porque não aguenta ser explorado. E isto é demagogia. Enfim...

A banalidade que o Martim disse e os portugueses aplaudiram, como ontem terão aplaudido gente mediática a mergulhar para uma piscina e outros tantos enclausurados numa casa, não prevê a gravidade das suas consequências. E enquanto o pau vai e vem... folgam as costas.

Também concordamos em «que este não é um caminho», mas o diálogo torna-se impossível quando interpretas nas minhas palavras um conjunto de afirmações que eu não faço. Assim não dá, ou então discutimos ponto a ponto. Por exemplo, tu sabes em que consiste de facto o negócio do miúdo? Não é que julgue isso importante, porque esse não é o assunto do post. Mas tu chamas para os teus comentários esse assunto. Sabes?

"Rapaz de 16 anos destrói doutorada em directo". E tu vês aqui um David contra Golias. Ok. Tu vês isso, eu não. Vale a pena discutirmos se o saco preto é um saco preto ou uma pedra? Ainda ontem, uma tonta referia-se no Facebook à Raquel Varela como uma tia de Cascais a quem só faltava a mala Chanel. Eh pá, a sério, isto é o cúmulo da estupidez, é mesmo não saber nada de nada e estar convencido de que se sabe alguma coisa. É de uma ignorância que só não assusta porque já estamos habituados, a mesma ignorância que aguenta um "palhaço" no poder durante 20 e tal anos.

Mário Pedro disse...

Desculpa ter-te calhado na rifa, mas ando com vontade de me chatear com alguém e é para isso que os amigos servem :)
Vê lá se isto agora te faz sentido. Espero que te irrite.
Em traços simples tu disseste isto:
- O episódio foi apresentado com a frase do título, e isso parecia-te ser um ataque ao saber e ao conhecimento,
- o argumento do miúdo é uma banalidade e demagógico, e que as pessoas aplaudiram esse argumento
- o empreendedorismo é discutível e tem uma face muito negativa que o põe em causa,
- dizer que é melhor o ordenado mínimo que estar desempregado é o mesmo que dizer mais vale pouco que nada,
- que o miúdo estava a defender a barbárie e a doutora a defender a civilização,

Eu respondo:
- A mim parece-me uma formulação que apela ao David e Golias, no máximo será um ataque espontâneo às instituições,
- o argumento do miúdo é uma banalidade, mas não é demagógico, é puro bom-senso, serviu como um touché na confrontação com doutora, e as pessoas aplaudiram isso e não o argumento.
- o empreendedorismo é discutível, mas para o melhor identificar e melhorar, não para pôr em causa se deve existir e ser incentivado,
- nem o ordenado mínimo é sinónimo de pouco, nem estar desempregado é sinónimo de nada, são coisas concretas que não se podem reduzir tão simplesmente nem para atacar as suas palavras nem para as defender.
- o miúdo vinha da pergunta das fábricas chinesas (foi só o que vi, não sei nem acho útil saber mais sobre o programa ou as pessoas, eventualmente algum livro da senhora que me possas recomendar, mas não mais), e deveria ter dito no fundo que mais vale o ordenado mínimo português com todos os seus direitos ainda existentes, que ser explorado numa têxtil na China, ou no Bangladesh, etc., mas é apenas um miúdo e com esperteza reduziu tudo ao tema do momento, o desemprego. E apanhou a Raquel a defender de maneira errada os seus argumentos que são inteiramente válidos.

Agora se pretendes transformar todos os números deste grande circo num ataque à inteligência, tens de fazer vários posts por hora. Força. Mas isto é tudo show of. Se pedires a todas essas pessoas que parecem ou estão mesmo a defender à letra, pseudo-ideologicamente o argumento do miúdo, para escolher entre o ordenado mínimo e o desemprego, a maioria escolhia o desemprego. E os outros não aguentariam muito tempo a trabalhar.
Há falta de mão de obra na agricultura, Henrique! Falta!
(sei que não gostas de pontos de exclamação e ...)

jpt disse...

Hmbf venho atrasado que não tenho andado por cá. Mas boto, mesmo que já fora do diálogo. Para dizer que, grosso modo, sim senhor, concordo com o que foi deixando até ... mesmo ao fim, onde se insurge com o "mundo acrítico e simplista" do empreendedor. Que é isso? Aí há a demagogia simplista com que zurze os aplausos vs doutora. Está a esquecer o contexto do "diálogo" (que nem o era). Não tenho simpatia alguma pelo "empreendedorismo" enquanto tentativa de teoria social (e também foi importada para Moçambique), como resolução das questões. É um hiper-simplismo liberal (a envergonhar qualquer liberal mais sereno), "empreende que te safas". E aceito que o repetir do chavão em programas de TV obrigue a uma crítica do conceito e das práticas. [E já agora ao ver as reacções a bater na pobre investigadora também pensei o que deixa aqui, ela também é uma empreendedora. E que há muito de anti-academismo aqui, que não é crítica dos regimes académicos ou intelectuais, mas sim mero elogio da ignorância e da tecnocracia bacoca].

Mas caramba, diante de alguém estruturado e a demonstrar a sua experiência (e inicial, ainda para mais) a senhora foi completamente tonta. Primeiro presumiu a importação de trabalho (e repare como a "esquerda" portuguesa é fervorosamente corporativa e ainda anseia pela desindustrialização estrangeira, chorando o mundo colonial que acabou - eu sei que V. não gosta deste arguemento, já mo disse, mas é aqui que reside o charco nada-intelectual e totalmente reaccionário da "esquerda" neo-comunista lusa). E depois caiu-lhe em cima com o baixo salário dos operários texteis. Ganham pouco? Ganham pouco quando produzem para o Martim e muito nas outras actividades? Ou ganham pouco e como tal não se justifica o remoque particular, e já em última instância depois do deslize inicial da furiosa académica? E claro o puto respondeu-lhe o que qualquer responderia, antes mal pago do que desempregado. O que não é acriticismo ou simplismo, é a resposta adequada ao contexto e à tonta atitude - atitude essa que deriva de um outro ponto. O problema da doutorada não é o "empreendedorismo" e a tanga ideológica que veícula. O problema é a iniciativa privada - pois de toda ela, ou pelo de quase toda ela em termos industriais, se poderá dizer o que a senhora resmungou. Se há simplismo, e há, é na quarentona, não no puto. Finalmente, não sei como está aí, mas aqui em Moçambique faziam-se livros aí e em Espanha mas agora têm-nos feito na Índia e na China. Parece que os parques gráficos são bons e baratos. Por hipótese, se se discutir as obras de um escritor ou académico ou ensaísta (em particular se for um jovem talentoso) será que a Doutora se insurgirá porque os livros são feitos (impressos) no estrangeiro? Ou porque os operários portugueses foram despedidos das tipografias e lá estão meia dúzia de técnicos sub-remunerados? Nada disso. Porque apesar de toda a formação nas "ciências sociais" e do marxismo de cidadania e não só que transpira ela impensa o que pensa, impensa as hierarquias dos produtos e dos seus conteúdos em termos de trabalho. E isso sim é catastrófico para a sua figura intelectual (apesar de ser louvada por quem acha que o Martim é tonto, ou seja, pelos tontos que aí continuam encastrados no "monopólio" de merda do pensamento topológico. A ver se V. não, que ainda é dos poucos, deixe-se lá de raquelices [já viu quantas vezes escreveu "Martim" e quantas tão pouca e una vez escreveu "Raquel" mas claro que "Varela". Ai o respeitinho pela Senhora Doutora .... Deixe-se lá de merdas, a mulher não se deu a tais respeitos, com a baboseira que fez]