sábado, 14 de setembro de 2013

GUNFIGHT AT THE O.K. CORRAL (1957)



Regressemos a John Sturges (1911-1992), depois da inevitável referência a The Magnificent Seven/Os Sete Magníficos (1960). Sturges merece um lugar ao lado dos grandes mestres do western, sejam eles John Ford (1894-1941), Anthony Mann (1906-1967), Howard Hawks (1896-1977) ou Henry Hathaway (1898-1985). Gunfight at the O.K. Corral/Duelo de Fogo (1957) é uma obra-prima do género. Muitas caras conhecidas no elenco. Numa terceira linha, Lee Van Cleef – o rosto mau de O Bom, o Mau e o Vilão (1966) e Tin Star/Sangue no Deserto (1957). Com presenças um pouco mais relevantes, lá estão Dennis Hopper - que já vimos em The Sons of Katie Elder/Os Quatro Filhos de Katie Elder (1965), Hang ‘Em High/À Sombra da Forca (1968) e True Grit/A Velha Raposa (1969) – e John Ireland, o magnífico Bob Ford de I Shot Jesse James/Matei Jesse James (1949) – filme de estreia de Samuel Fuller. Mas Duelo ao Fogo é totalmente das primeiras linhas, com desempenhos magníficos de Burt Lancaster no papel de Wyatt Earp e Kirk Douglas a dar corpo a Doc Holliday. São personagens míticas da história norte-americana, bastas vezes representadas com propósitos por vezes lesivos da sua grandeza. Basta recordar o Wyatt Earp (1994) de Lawrence Kasdan (1949), com Kevin Costner e Dennis Quais nos papéis aqui entregues a Lancaster e Douglas. Esta parelha é especialmente significativa no filme de Anthony Mann, que não se limita a enaltecer a coragem dos grandes mitos norte-americanos nem a recriar o histórico tiroteio de O. K. Corral. Convém recordar que Earp não é mera ficção, nasceu no Illinois em 1848 e tornou-se conhecido pela perseguição a foras da lei nas cidades de Wichita, Dodge City, Kansas, Tombstone. Foi nesta última que se juntou aos irmãos para combater Ike Clanton e a sua quadrilha num dos mais célebres tiroteios do imaginário western. Mann distancia-se dos factos conhecidos, talvez por não estar tão interessado em recriá-los como parece apostado em explorar as contingências de uma amizade improvável. Estranhos são os elos que ligam os homens, mais estranhos ainda quando estamos a falar de indivíduos da safra de Wyatt Earp e Doc Holliday. A relação de cumplicidade que se estabelece entre ambos transcende a compreensão dos deves e haveres que tantas vezes aproximam os homens. Há nesta relação uma economia de outro tipo, não necessariamente afectiva, muito menos interesseira. É uma relação reforçada pela percepção de que entre opostos, por vezes, estabelecem-se pontes de carácter que esbatem a diferença e tornam mais semelhante do que aparenta o diverso. Doc é uma espécie de filho extraviado, entregue ao jogo, desinteressado da vida, até por razão da doença que o persegue (tuberculose). Vive do jogo apesar da formação superior, erra por cidades onde os conflitos vêm ter com ele como ao mel vão as abelhas. Earp é o inverso, ou nem por isso. Reconhecemos-lhe o apego aos irmãos (família), a extrema rectidão, uma obsessão pela lei e pela ordem que Doc Holliday parece desprezar. Por outro lado, são ambos homens divididos entre o orgulho e a noção do dever, sobre eles paira a nuvem da morte iminente com a seguinte legenda: não importa quando vais morrer, mas como vais morrer. É isto que os torna verdadeiramente emblemáticos de uma ambivalência caracterizadora de todos os mitos dignos desse nome. O bem e o mal convivem neles com a naturalidade do osso e do músculo, do yin e do yang, sendo que no sangue nada mais circula do que a palavra. Sturges não resistiu a uma sequência, 20 anos depois, com o filme Hour of the Gun (1967). Mas nessa altura a realidade era outra, condicionando negativamente a leitura da relação sublinhada entre um homem da lei e um “fora da lei”. É esta relação que faz de Duelo ao Fogo um filme excepcional, uma obra-prima sobre a diversidade de trilhos que nos permitem chegar a noções consistentes de amizade e de justiça.

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