terça-feira, 1 de outubro de 2013

AUTÁRQUICAS 2013

Camarada Van Zeller, diz que o povo foi a votos. Algum. Feitas as contas, podemos concluir que os mortos não votaram. Nem os emigrantes, sobretudo aqueles que seguiram os bons conselhos do actual primeiro-ministro. Também não sabemos se Alexandre Soares dos Santos votou. É provável que a sua autarquia fique na Holanda. Sublinhemos, antes de mais, o civismo com que decorreu mais este sufrágio universal.  Sobretudo em Alpedriz, onde a liberdade foi de tal forma estridente que as urnas nem chegaram a sentir o cheiro aos boletins de voto. Dito isto, cabe-nos reconhecer que a coligação votos nulos/votos brancos, com os seus 6,82%, são a quinta força política do país. Mereciam, pelo menos, a junta de Alpedriz. Olha, dava um provérbio. Vou propô-lo para o Quem Quer Ser Milionário. Muito abaixo daquela coligação improvável, ficaram os famigerados independentes. Temos de tudo um pouco. Ressabiados, excluídos, oportunistas, sonhadores e, claro está, gente com um profundo sentimento cívico como o camarada Rui Moreira - que será sempre independente, pendure-se nele Paulo Portas, esse campeão dos municípios, Rui Rio ou o António-Pedro Vasconcelos. Os independentes que não gostam dos partidos porque deles se sentiram afastados e por eles se sentem abandonados, devem agora estar orgulhosos. Além de Rui Moreira, têm entre eles Paulo Vistas, fidelíssimo enteado do recluso Isaltino Morais, vencedor entre vencedores que consegue ganhar câmaras sem precisar de a elas concorrer. Como a independência tem as costas largas, há de tudo nesta maré libertária. Mas os grandes vencedores foram outros. Desde logo, o PSD. Com este acto eleitoral conseguiu distrair por breves instantes as atenções sobre si próprio e sobre a sua desastrosa política governamental. De Rui Machete, esse exemplo de maturidade que a academia social-democrata tanto ansiava, nem se houve falar. Já Maria Luís Albuquerque parece ter sido engolida por um swap, certamente de origem benigna. Ao pé deles, Fernando Seara estará com os dois pés e a quatro mãos a ver Lisboa por um canudo, o que, reconheça-se, é bem melhor do que vê-la na perspectiva do Todo-Poderoso de Oeiras: aos quadradinhos. Outro grande vencedor da noite é Alberto João Jardim. Os analistas políticos têm a fatídica tendência de olhar para estas coisas sempre pelo prisma da derrota. Na realidade, o que importa na Madeira não são as câmaras que se afastaram do jardinismo, mas sim as que o jardinismo logrou preservar apesar da campanha suja que o contenente tem perpetrado sobre o seu fiel jardineiro. Passos Coelho já tinha avisado: que se lixem as eleições. Perante o que sucedeu no Domingo passado, sentimo-nos tentados a julgar que as eleições responderam-lhe à letra: que se lixe Passos Coelho. Mas você, camarada, sabe que não é assim. Sabe você e sabe a sua senhora. Nos últimos anos, por culpa da frugalidade apregoada por Cavaco, morreram à fome ou ficaram exangues e incapacitados milhares de sociais-democratas. Muitos, imensos, terão emigrado para terras longínquas. Outros tantos andam a comer papas e fazem fila à porta do Banco Alimentar. Não se podia esperar que estes mártires da austeridade se dessem agora ao luxo de prescindir de um Domingo para exercerem o privilégio obtuso da democracia burguesa que é o direito ao voto. Demos pois os parabéns a Carlos Abreu Amorim, que conseguiu mais votos do que Manuel Almeida – o homem que quer formar ninjas para patrulhar as ruas de Gaia. E parabenizemos igualmente Moita Flores, por poder dedicar-se a tempo inteiro à escrita de telenovelas. E batamos palmas a Menezes, que contra os sulistas e elitistas do país ainda vai conseguir convencer Woody Allen a filmar numa das 5 câmaras conquistadas pelos amigos do CDS. Sendo sempre o melhor da festa o dia seguinte, demos também os parabéns ao povo de Caldas da Rainha. Conseguiram fazer o que a maioria do país não consegue, oferecer a sua confiança a uma equipa que logo pela manhã de segunda-feira fez questão de dar um ar de sua graça e competência com duas tampas de esgotos a saltar, quais rolhas em garrafas de champanhe, em plena Rotunda da Rainha. Uma palavra de conforto, porém, para os camaradas do Bloco. Duas cabeças não pensam necessariamente melhor que uma. Mas isto é como diz o povo: a ganhar se perde e a perder se banha. Ou será ganha? Tenho que perguntar à Manela.

1 comentário:

Paulo Costa disse...

Mais um belo naco de prosa; se me permite deixo por aqui dois desolados desabafos resultantes destas 'autárticas': primeiro, que mais de um terço (limpando generosamente os recenseados) dos portugas que poderiam ir pronunciar-se sobre os seus governos locais (e regionais e nacional também), borrifaram-se para a coisa e nem um "morte ao relvas" lá foram depositar; segundo, na senda dos velhos romanos ('panem et circenses'), os eloquentes madeirenses demonstram-nos que estes dois mil anos, pouco mais representam que o acrescentar de ferramentas, como a que agora uso, para novamente lhe agradecer esta antologia.