Camarada Van Zeller, diz que o povo foi a votos. Algum. Feitas
as contas, podemos concluir que os mortos não votaram. Nem os emigrantes, sobretudo aqueles
que seguiram os bons conselhos do actual primeiro-ministro. Também não sabemos se Alexandre
Soares dos Santos votou. É provável que a sua autarquia fique na Holanda. Sublinhemos,
antes de mais, o civismo com que decorreu mais este sufrágio universal. Sobretudo em Alpedriz, onde a liberdade foi de
tal forma estridente que as urnas nem chegaram a sentir o cheiro aos boletins
de voto. Dito isto, cabe-nos reconhecer que a coligação votos nulos/votos
brancos, com os seus 6,82%, são a quinta força política do país. Mereciam, pelo
menos, a junta de Alpedriz. Olha, dava um provérbio. Vou propô-lo para o Quem Quer Ser Milionário. Muito abaixo daquela coligação improvável, ficaram os
famigerados independentes. Temos de tudo um pouco. Ressabiados, excluídos,
oportunistas, sonhadores e, claro está, gente com um profundo sentimento cívico
como o camarada Rui Moreira - que será sempre independente, pendure-se nele
Paulo Portas, esse campeão dos municípios, Rui Rio ou o António-Pedro Vasconcelos. Os independentes que não gostam
dos partidos porque deles se sentiram afastados e por eles se sentem
abandonados, devem agora estar orgulhosos. Além de Rui Moreira, têm entre eles Paulo
Vistas, fidelíssimo enteado do recluso Isaltino Morais, vencedor entre
vencedores que consegue ganhar câmaras sem precisar de a elas concorrer.
Como a independência tem as costas largas, há de tudo nesta maré
libertária. Mas os grandes vencedores foram outros. Desde logo, o PSD. Com este
acto eleitoral conseguiu distrair por breves instantes as atenções sobre si
próprio e sobre a sua desastrosa política governamental. De Rui Machete, esse
exemplo de maturidade que a academia social-democrata tanto ansiava, nem se
houve falar. Já Maria Luís Albuquerque parece ter sido engolida por um swap,
certamente de origem benigna. Ao pé deles, Fernando Seara estará com os dois
pés e a quatro mãos a ver Lisboa por um canudo, o que, reconheça-se, é bem
melhor do que vê-la na perspectiva do Todo-Poderoso de Oeiras: aos quadradinhos.
Outro grande vencedor da noite é Alberto João Jardim. Os analistas políticos
têm a fatídica tendência de olhar para estas coisas sempre pelo prisma da
derrota. Na realidade, o que importa na Madeira não são as câmaras que se
afastaram do jardinismo, mas sim as que o jardinismo logrou preservar apesar da
campanha suja que o contenente tem perpetrado sobre o seu fiel jardineiro.
Passos Coelho já tinha avisado: que se lixem as eleições. Perante o que sucedeu
no Domingo passado, sentimo-nos tentados a julgar que as eleições responderam-lhe
à letra: que se lixe Passos Coelho. Mas você, camarada, sabe que não é assim. Sabe
você e sabe a sua senhora. Nos últimos anos, por culpa da frugalidade apregoada
por Cavaco, morreram à fome ou ficaram exangues e incapacitados milhares de sociais-democratas.
Muitos, imensos, terão emigrado para terras longínquas. Outros tantos andam a
comer papas e fazem fila à porta do Banco Alimentar. Não se podia esperar que
estes mártires da austeridade se dessem agora ao luxo de prescindir de um
Domingo para exercerem o privilégio obtuso da democracia burguesa que é o
direito ao voto. Demos pois os parabéns a Carlos Abreu Amorim, que conseguiu
mais votos do que Manuel Almeida – o homem que quer formar ninjas para patrulhar
as ruas de Gaia. E parabenizemos igualmente Moita Flores, por poder dedicar-se
a tempo inteiro à escrita de telenovelas. E batamos palmas a Menezes, que contra os sulistas e elitistas do país ainda vai conseguir convencer Woody Allen a filmar numa das 5 câmaras conquistadas pelos amigos do CDS. Sendo sempre o melhor da festa o dia seguinte, demos também
os parabéns ao povo de Caldas da Rainha. Conseguiram fazer o que a maioria do país
não consegue, oferecer a sua confiança a uma equipa que logo pela manhã de
segunda-feira fez questão de dar um ar de sua graça e competência com duas tampas de esgotos
a saltar, quais rolhas em garrafas de champanhe, em plena Rotunda da Rainha. Uma
palavra de conforto, porém, para os camaradas do Bloco. Duas cabeças não pensam
necessariamente melhor que uma. Mas isto é como diz o povo: a ganhar se perde e
a perder se banha. Ou será ganha? Tenho que perguntar à Manela.
1 comentário:
Mais um belo naco de prosa; se me permite deixo por aqui dois desolados desabafos resultantes destas 'autárticas': primeiro, que mais de um terço (limpando generosamente os recenseados) dos portugas que poderiam ir pronunciar-se sobre os seus governos locais (e regionais e nacional também), borrifaram-se para a coisa e nem um "morte ao relvas" lá foram depositar; segundo, na senda dos velhos romanos ('panem et circenses'), os eloquentes madeirenses demonstram-nos que estes dois mil anos, pouco mais representam que o acrescentar de ferramentas, como a que agora uso, para novamente lhe agradecer esta antologia.
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