Ao que consegui apurar, a expressão tall in the saddle
aplicava-se a indivíduos resolutos que se mantêm firmes e direitos quando
montados nas suas selas. Pelo contrário, short in the saddle é o tipo falido.
O filme de Edwin L. Marin (1899-1951) recuperou a expressão do Old West, mas
acabou por levar com o título português A Indomável. Os holofotes ficam, assim,
apontados para a performance de Ella Raines (1920-1988), filmada com uma
volúpia algo desmesurada. Isto obriga-nos a dizer qualquer coisa sobre Edwin L.
Marin, realizador praticamente esquecido que soube desenvencilhar-se muito bem
com orçamentos reduzidos. Em 1950 assinou o excelente Colt. 45, com Randolph Scott.
Já em Tall in the Saddle/A Indomável (1944) conseguiu juntar dois grandes
actores fordianos: John Wayne e Ward Bond, este último num papel muito menos
simpático do que aqueles que lhe foram oferecidos em My Darling Clementine/A
Paixão dos Fortes (1946), Fort Apache (1948) ou The Searchers/A Desaparecida
(1956). Também surge em Johnny Guitar (1954), de Nicholas Ray (1911-1979). Apesar
dos holofotes apontados para Ella Raines, parece-me que o título original
estava mais centrado na figura de John Wayne. Ao chegar a uma pequena cidade do
Velho Oeste, Rocklin fica a saber que o rancheiro que o contratou foi
assassinado pelas costas. O velho Dave, condutor de diligências com quem Dave
travou amizade pelo caminho, coloca-o a par das divergências entre rancheiros
na zona. Rocklin e Dave aproximam-se por uma indisfarçável misoginia. O velho
Dave, agarrado à garrafa, compara as mulheres ao uísque: ambos enganosos, mas
não passamos sem eles. Rocklin dispensa as comparações, simplesmente olha as
mulheres de soslaio, afasta-se, não gosta de trabalhar com elas. Ironia dos
destinos, acaba contratado por uma. Arly (Ella Raines) é conhecida como a
amazona das redondezas. Dirige um rancho, é irascível, tem uma personalidade
tão vincada e um feitio tão determinado como Rocklin. Apesar das desavenças, é
inevitável que acabem juntos. Até ao beijo final, tentativas de assassinato,
uma intriga de tipo policial, ardilosas manigâncias, trazem para o primeiro
plano juízes corruptos (Ward Bond) e rancheiros cobiçosos. Paul Fix, que vimos
em El Dorado (1966), de Howard Hawks, e trabalhou no argumento deste Tall in
the Saddle, aparece num pequeno papel. Apesar das questões políticas
recorrentes, da encenação eficiente e dos diálogos agradáveis, o que torna este
western especial é a relação entre o misógino Rocklin (John Wayne) e a belatriz
Arly (Ella Raines). Duas cenas tornam esta relação inesquecível e conquistam
para o filme um estatuto peculiar. Na primeira, Arly, montada no seu cavalo sem sela, intromete-se no caminho
de Rocklin. Ameaça Rocklin e instiga-o a sacar da pistola.
Rocklin afasta o cavalo e segue caminho. Arly dispara. Rocklin, de costas
voltadas, hesita, mas continua a caminhar. Arly volta a disparar uma segunda e terceira
vezes contra a aparente indiferença de Rocklin, que segue caminhando de costas voltadas
para os disparos. Chegado ao balcão do saloon para onde se dirigia, Rocklin respira fundo e pede um
uísque. A sensação de alívio fica patente no seu rosto. Percebemos ter
assistido a um dos mais caricatos duelos da história do western, uma jogada de
póquer onde a impulsividade da mulher capitulou perante a impassibilidade do
homem. Numa segunda cena voltamos a encontrar estes dois num contexto menos
exposto do ponto de vista social. Arly tenta chegar a uma carta que foi enviada a Rocklin por uma
rapariga que ela julga estar interessada nele. Rocklin apanha Arly a remexer os
seus bens pessoais, retira-lhe a carta das mãos, rasga-a e deixa-a cair a seus
pés. Volta-se e parte, deixando Arly revoltada. Esta atira-lhe uma faca, que
vai espetar-se na porta da cabana onde se encontram. Ele volta para trás, agarra
Arly e beija-a. Depois volta-lhe novamente as costas e parte. Ela fica destroçada,
de lágrimas no rosto, a olhar para os pedaços de papel no chão. Nessa cena
tipicamente romântica, eximiamente filmada com a luz de uma fogueira a
iluminar o interior da cabana, o que impressiona é a desconstrução do
carácter de ambas as personagens. A misoginia de Rocklin rende-se à perseverança
de Arly e desmonta-se num beijo, ao mesmo tempo que a solidez de Arly
desmorona-se nas lágrimas que ficam a lavar-lhe o rosto. Amam-se. E isso fica
claro quando transpõem as muralhas que os enclausuram dentro de si
próprios. Fica claro quando deixam de ser quem são para passarem a
ser um só. Sem fusão nem confusão, apenas um beijo.
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