sexta-feira, 1 de novembro de 2013

HIGH NOON (1952)



O compositor Dimitri Tiomkin (1894-1979) nasceu na Ucrânia, no seio de uma família de origem judaica com formação elevada para os padrões da época. Estudou música no Conservatório de São Petersburgo, tendo sobrevivido durante os tempos difíceis da revolução a escrever para alguns espectáculos de massas e acompanhando ao piano a exibição de filmes mudos. Mudou-se para Berlim em 1921, depois para Paris, acabando por instalar-se nos EUA em 1925. A opção por Hollywood deu-se após o crash de 1929, quando o cinema norte-americano procurava entreter o público com musicais de interesse diverso. Esta ligação ao cinema permitiu a Tiomkin desenvolver métodos de composição, sendo especialmente relevante o trabalho como compositor ou director musical em inúmeros westerns. Vamos encontrá-lo em Duel in the Sun/Duelo ao Sol (1946), de King Vidor, High Noon/O Comboio Apitou Três Vezes (1952), de Fred Zinnemann (1907-1997), Gunfight at the O.K. Corral/Duelo de Fogo (1957) e Last Train from Gun Hill/O Último Comboio de Gun Hill (1959), de John Sturges, Rio Bravo (1959), de Howard Hawks, ou The Alamo/Álamo (1960), de John Wayne. A lista é interminável. Dimitri Tiomkin viu o seu talento devidamente reconhecido com dois óscares no magnífico High Noon/O Comboio Apitou Três Vezes (1952). Começamos por ele por ser determinante a banda sonora neste filme de um realizador que não teve muito mais para oferecer que valha a pena recordar. A importância do tempo para a música é equivalente ao peso da música na narrativa de High Noon. Esta relação torna-se explícita com a omnipresença de relógios e planos que marcam a passagem do tempo ao longo do filme. Baseado na mesma história que deu origem a The Tin Star/Sangue no Deserto (1957), de Anthony Mann, O Comboio Apitou Três Vezes relata o dia frenético do Marshal Will Kane (papel que também valeu um Oscar ao enorme Gary Cooper), que durante o casamento com Amy Fowler (Grace Kelly), quando se preparava para abandonar funções, recebe a notícia de que o terrível fora-da-lei Frank Miller vem no comboio do meio-dia com intenções vingativas. Na estação, encontram-se à espera de Miller três homens do seu bando (entre eles, Lee Van Cleef em mais um dos inúmeros papéis menores que lhe foram sendo atribuídos ao longo da vida). Faltam menos de duas horas para que Miller chegue à cidade. Ao Marshal Will Kane restam duas opções: entregar definitivamente o distintivo e partir com a sua mulher ou ficar para enfrentar Miller e o seu bando. Imperativos tão pessoais quão morais levam a que vença a segunda opção. Aquilo a que assistiremos é um corrupio desenfreado do Marshal Will Kane para arranjar delegados que se lhe juntem na contenda. A música pauta o ritmo do filme, oferecendo aos passos acelerados de Gary Cooper, às suas hesitações e inquietações, um realismo deveras convincente. É como se entrássemos no seu peito e lhe tomássemos a pulsação, acompanhamo-lo com ansiedade. Não há sequência que não mostre deliberadamente os ponteiros de um relógio, acentuando a passagem do tempo, gerando uma impaciência que chega a ser incomodativa, sobretudo porque enquanto o Marshal Will Kane percorre o seu calvário nós contemplamos a queda de um homem. O Comboio Apitou Três Vezes transporta-nos para uma frustração social. O desencanto e a desilusão de Kane, quando se vê sozinho no meio de uma cidade que diz reconhecer-lhe o mérito mas é incapaz de o ajudar neste momento crítico, é a moral que tem para nos oferecer. No saloon fazem-se apostas, os homens entusiasmam-se com um confronto iminente, nas traseiras do barbeiro já se constroem os caixões, na igreja, quando o Marshal interrompe a missa para pedir ajuda, disputam-se teorias, fazem-se acusações, perde-se tempo. E Will Kane fica sozinho, terá que debater-se contra quatro homens sem o auxílio de um só, numa sociedade acobardada e ingrata, capaz de abandonar aqueles que nunca a abandonaram, desculpando a traição com todo o tipo de justificações. A desilusão de Will Kane é, de facto, uma des-ilusão, resulta num amadurecimento do indivíduo face à revelação de uma sociedade até então dissimulada. A mulher com quem se casara há pouco não o abandona, é certo. E talvez essa seja a mensagem mais significativa que esta história tem para dar, a mensagem de uma cumplicidade que não se deixa ferir por nada que atormente. Nem medo, nem inveja, nem ciúme, nem cobardia.

1 comentário:

MHGF disse...

Este resumo, é para mim sem duvida muito próximo da sinopse do filme e também da realidade que se vive em Portugal.
Apesar da cobardia latente no filme, assim como no nosso pais, um grande bem haja para ti por a coragem/sinceridade dos textos de este blog.

Mário