Arendt, ainda jovem, encontra-se no gabinete de Heidegger. Diz-lhe: «Estamos
tão habituados a considerar a razão e a paixão como antagonistas que a ideia de
um pensamento passional, em que a ideia e o facto de se estar vivo se fundem,
me causa um certo espanto.» Olha para o professor com reverência, atemoriza-se, pede desculpa
e volta-lhe rapidamente as costas num gesto de fuga. Heidegger, complacente,
pede-lhe que não saia. A cena termina ali, salta de imediato para uma outra. Arendt abre a
porta do seu apartamento, escutamos passos apressados a subir escadas. Arendt
sentou-se na cama e olha para a porta aberta. Heidegger chega, entra, despe o
casaco, dirige-se a Arendt, ajoelha-se, deita a cabeça no seu colo e envolve a
cintura da aluna com os braços. Do gabinete de Heidegger para o quarto de
Arendt saltamos da razão para a paixão, e todo o filme de Margarethe von Trotta
sublinha este encontro entre realidades aparentemente antagónicas. Espanto semelhante paira sobre o julgamento de Eichmann e sobre as reacções à leitura que Hannah Arendt fez do
mesmo. Só podiam ser o que foram, o mundo não estava preparado para a fusão dos
opostos. Ainda hoje não está, tão mais fácil é viver com as certezas lógicas do
impossível. Mas o impossível aconteceu, foi tornado real, um homem abdicou de
pensar para simplesmente servir. O mal é isto, abdicar do pensamento, deixar de ser homem, prescindir da liberdade. Não faltam “eichmanns” ao mundo, os “burrocratas”
de Herberto. Mas muita falta nos faz um “pensamento passional”. Mostrem o filme aos caloiros.
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