No rescaldo das europeias, as análises amontoam-se
polvilhadas de lugares comuns. O primeiro assunto é um não-assunto. A
abstenção, que em Portugal andou pelos 65%, chega à boca dos intervenientes em
tom de preocupação. É tudo hipocrisia. Não há preocupação alguma, porque estes
resultados já não são sintoma. São uma doença que os partidos do chamado arco
do poder, realmente um arco-da-velha, não estão interessados em combater. Na
abstenção tudo se mistura: desencanto e indiferença, comodismo e resignação,
raiva e nojo. E tudo isto nasce e cresce de uma desavergonhada transformação do
palco político numa pocilga, para usar uma metáfora comum, onde parte da classe
política engorda à custa do bem comum e se serve do Estado para estagiar a
caminho dos mundos financeiro e empresarial.
A este fenómeno está associado o
segundo tema da noite: a eleição do advogado Marinho e Pinto. Populista,
demagógico e, pior que tudo, incapaz de discutir o que quer que seja sem
resvalar num berreiro insuportável, este outro herói popular lembra o
Bonami-Rei da peça de Natália Correia O Encoberto: «Vejo-me na difícil
situação de um actor em que o público acredita». Convencido das boas intenções
do embusteiro, o povo deixou-se ir na cantiga oportunista da personagem. O fim
de Bonami-Rei sabemos qual foi. Veremos o fim do advogado, que por ora
beneficia do descrédito em que caiu o sistema e de um discurso inflamado que
replica a conversa de café e o argumentário taxista da nação. Talvez venha a
ser na Europa o que Manuel Sérgio foi na AR quando eleito pelo Partido da Solidariedade
Nacional, um epifenómeno cuja maior ou menor inconveniência residirá na capacidade
do sistema para o integrar na sua mecânica com propostas aliciantes. A
comunicação social fará o resto, beneficiando do berreiro.
Depois há a derrota
dos partidos da governação, a qual não encontra inversa proporcional na vitória
do maior partido da oposição (ou coisa que o valha). Na realidade, PS, PSD e CDS bem podem fazer
contas à vida: são o espelho decadente de uma democracia ameaçada pelos seus próprios vícios. O PS não se liberta do fantasma Sócrates, consegue reintegrar um
oportunista como Jorge Coelho e esvai-se na imagem de um Seguro melífluo, inconsistente,
perdido algures na dimensão sidérea da banalidade política. Com o país de
pantanas, não consegue impor-se convincentemente aos partidos da governação.
Saindo fortemente derrotados, PSD e CDS conseguem respirar de alívio porque o PS
não sai fortemente vencedor. Carlos César e António Costa já vieram deitar mais
achas para a fogueira onde Seguro tem queimado as orelhas.
Descrentes do
chamado projecto europeu, que mais não tem sido senão uma germanização da Europa, fartos de medidas “austeritárias” que têm feito a cama aos grandes grupos
económicos e oferecido paz e descanso à banca, uma larga maioria dos eleitores
mostrou, não votando ou votando em projectos críticos do europeísmo cego, estar
farta e cansada de políticas da subjugação. Ouçamos, pois, o Licenciado
Belchior do Amaral:
LICENCIADO
Ouçam-me! Sou o Licenciado Belchior do Amaral. Em
Montpelier aprendi que a Terra anda à volta do sol. Esta descoberta
revolucionária prova-nos que tudo se move para sobreviver. Ela anuncia a era
dos levantamentos populares. Em marcha! Em nome da razão, pegai em armas!
Enquanto aguardais o fantasma da vossa demência, sois a besta de carga dos
tiranos.
Talvez o povo prefira continuar a acreditar no regresso
de D. Sebastião, talvez os métodos do Licenciado Belchior do Amaral não sejam sedutores
numa democracia, enfim, adulta e abstencionista. Mas quando acordarmos do sonho
e verificarmos que a Europa Unida morreu, porque dentro dela um vírus xenófobo
novamente medrou, que faremos? Usaremos o raciocínio ou escudar-nos-emos “cobardemente
na legitimidade de um espectro coroado”? Ainda temos uma arma: votar numa verdadeira mudança. Porque a verdade se impõe com clareza
perante a dúvida: que união é esta onde a assimetria governa? Que união é esta
adormecida sobre os seus próprios fantasmas? Que união é esta:
Este Parlamento Europeu vai ser tomado de assalto por uma
multidão de deputados eurocépticos, mas entre eles há um subgrupo de eleitos
cujas ideias podem ser descritas como fascistas e racistas e, sobretudo entre
os que são provenientes da Europa de Leste, anti-semitas. É o caso do Jobbik
húngaro, um partido de extrema-direita que tanto no discurso como em acções é
anti-judeus e anti-ciganos. Com 14,7%, o Jobbik elegeu 12 eurodeputados, apesar
de pouco tempo antes das eleições de 25 de Maio, um deputado desta formação ter
sido acusado de espiar no Parlamento Europeu a favor da Rússia. Mas a grande
surpresa veio da Alemanha, em que os neonazis do Partido Democrata Nacional,
que concorreram com um programa anti-imigração, mas são classificados como
racistas e anti-semitas, elegeram pela primeira vez um eurodeputado. Os seus
líderes dizem coisas como “a Europa é um continente branco” e têm cartazes com
frases como “dá-lhe gás”. O partido eurocéptico Alternativa para a Alemanha
obteve também sete deputados para o Parlamento Europeu. Na Grécia, o Aurora
Dourada, partido de clara inspiração nazi, elegeu três eurodeputados, apesar de
o seu líder, Nikos Michaloliakos, e vários deputados, estarem presos. Estes
partidos não estão aliados com a Frente Nacional ou o Partido da Liberdade de
Geert Wilders e não se sabe se conseguirão formar um grupo parlamentar à
parte. No entanto, a onda eurocéptica acabou por retirar votos a algumas
das forças mais extremistas e violentas de extrema-direita que perderam os seus
eurodeputados, segundo uma tabela feita pelo centro de investigação britânico Counterpoint, como
o Attaka búlgaro, o Partido Nacional Britânico ou até mesmo o Partido Nacional
Eslovaco.
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