terça-feira, 3 de junho de 2014

A HISTÓRIA DO MEU TRICOT




Eu também quero aprender
a fazer o meu tricot.
Pareceu-me que seria
a maneira mais difícil
- sem lã passada ao pescoço
e agulhas sem farpela.

Êstes anos que eu já tenho
estão-se quási a acabar
e os meus vinte e seis anos
já são quási uns vinte e sete.

Já é tempo que eu aprenda
a fazer o meu tricot.

Já é tempo que aprenda,
a ser tal como vós outras
(mexem ligeiras os dedos
estão horas sem pensar!)

Já é tempo que eu aprenda
a fazer o meu tricot.
E perca conjuntamente
com a minha ansiedade,
tôdas as curiosidades.
Que nada queira saber
do Mistério dêste Mundo,
do Mistério doutros Mundos
do Mistério daquêle Homem
e do daquela Mulher,
e do Mistério das almas
e do Mistério dos corpos
e do meu próprio Mistério.
E esta minha paixão
por tudo que é Infinito
e o desejo dum amor
grande em tudo como o meu
- que se vão de mim também!

.............................................

Já é tempo que eu aprenda
a fazer o meu tricot.

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Vou comprar um tailleur novo
e pôr uma flor na lapela
assim que eu saiba fazer
muito certo o meu tricot.
Hei-de aprender a «matar»...
fazer iguais as ourelas...

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É tira de sete malhas
o tricot que estou fazendo.
Embora não tenham rimas
têm todos sete sílabas
os versos dêste poema,
- para quem lendo o entenda
é bem um poema trsite,
para quem apenas leia,
é a história dum tricot
senão... um triste poema.

Não acabo o meu tricot...
...Já está pronto o meu poema.


Merícia de Lemos (n. 1913 - m. 1996?), in Mar Interior (1942). «Merícia Eugénia Vital de Lemos nasceu a 24 de Abril de 1913, na Beira, África Oriental Portuguesa. Tem viajado muito pela Europa, Ásia e África, e vive actualmente, há já bastantes anos, entre Lisboa e Paris, dedicada às antiguidades e ao jornalismo. Colaborou em diversas revistas e jornais (Panorama, Ocidente, Diário Popular, Litoral, O Mundo Português, onde foram publicadas poesias suas de inspiração africana, Cadernos de Poesia, etc.). A sua poesia caracteriza-se por um tom directo muito lúcido e subtil, em que uma feminilidade franca e desenvolta sabe encontrar uma intensidade nada romântica, ora graciosa, ora melancólica, ora profundamente comovente, para dizer numa linguagem que provém dos poetas de Orpheu e de uma cultura poética que pouco deverá ao lirismo exclusivamente masculino da presença, com elegante fantasia e sóbria segurança, as suas emoções e as suas mágoas de mulher, por uma forma que foi das primeiras, depois de Irene Lisboa, a evitar o convencionalismo socio-sentimental da poesia "feminina" a que nem a grande Florbela pudera escapar» (Jorge de Sena, in Líricas Poertuguesas). 

1 comentário:

Anónimo disse...

Não é de facto a Merícia de Lemos