Dizem que não tenho idade para estar cansado.
Digo que não tenho idade para estar cansado.
Mas eu estou irremediavelmente cansado...
Não sei se conheço ou não a Vida,
(Toda a gente diz que não, que é impossível...)
Contudo, estou cansado.
Representei
E cansei-me; e desatei a gritar tudo... toda a Verdade.
Febrilmente gritei, rasguei máscaras, cuspi máscaras...
Agora até disso estou cansado
E nem leio o meu Baudelaire... o Príncipe de Todos.
Experimentei «tomar alegria»,
Ouvir danças bárbaras,
Ver danças bárbaras,
Grandes contorções modernas,
- Sabiam falso...
Mais tarde descobri morto aquele-menino-que-fui.
Chorei... tive saudades... ai!, puro menino saudável...
Cansei saudades e lágrimas também...
- Ainda procurei vibrar...
Vibrar!, vibrar!
Vibrou apenas minha carne
E até ficar exausta, também...
Estou muito cansado.
Só interessa ir para a cama
E dormir...
Dormir bem...
Cristovam Pavia (n. 1933 - m. 1968), in Poesia [Julho de 1949]. «Ainda que usando uma prosódia ligada predominantemente ao verso-livre, a sua poesia assenta na tradicional expressão dos sentimentos pelas palavras e, contudo, não com elas. Quero dizer: não há, na sua poesia, qualquer consciência de o jogo verbal se poder prestar a uma exploração voltada para si própria, através de um adensamento da estratégia vocabular do poema. Aquilo a que procede é à utilização da linguagem tal como um critério como o gosto lhe diz para a usar, de modo a que essa linearidade nos transmita determinadas experiências íntimas. A sua poesia nunca aponta para a construção do sentido, mas para objectos sentimentais que nos chegam pela limpidez tradicional da frase. Afasta-se, deste modo, duma das pulsões fundamentais da poesia do pós-guerra entre nós, que consiste em procurar um sentido do poema nos próprios modos de expressão verbal. Propõe-nos, ao contrário, o desejo de um certo romantismo ao assumir o poema como exclamação duma experiência pessoal íntima, impulso acordado por essa experiência privilegiada dentro de nós e viabilizado para os outros através da partilhável linguagem de todo comum» (Joaquim Manuel Magalhães, in Os Dois Crepúsculos).
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