domingo, 6 de julho de 2014

POEMA VESPERAL


Dizem que não tenho idade para estar cansado.
Digo que não tenho idade para estar cansado.
Mas eu estou irremediavelmente cansado...
Não sei se conheço ou não a Vida,
(Toda a gente diz que não, que é impossível...)
Contudo, estou cansado.

Representei
E cansei-me; e desatei a gritar tudo... toda a Verdade.
Febrilmente gritei, rasguei máscaras, cuspi máscaras...
Agora até disso estou cansado
E nem leio o meu Baudelaire... o Príncipe de Todos.

Experimentei «tomar alegria»,
Ouvir danças bárbaras,
Ver danças bárbaras,
Grandes contorções modernas,
- Sabiam falso...

Mais tarde descobri morto aquele-menino-que-fui.
Chorei... tive saudades... ai!, puro menino saudável...

Cansei saudades e lágrimas também...

- Ainda procurei vibrar...
Vibrar!, vibrar!
Vibrou apenas minha carne
E até ficar exausta, também...

Estou muito cansado.

Só interessa ir para a cama
E dormir...

Dormir bem...


Cristovam Pavia (n. 1933 - m. 1968), in Poesia [Julho de 1949]. «Ainda que usando uma prosódia ligada predominantemente ao verso-livre, a sua poesia assenta na tradicional expressão dos sentimentos pelas palavras e, contudo, não com elas. Quero dizer: não há, na sua poesia, qualquer consciência de o jogo verbal se poder prestar a uma exploração voltada para si própria, através de um adensamento da estratégia vocabular do poema. Aquilo a que procede é à utilização da linguagem tal como um critério como o gosto lhe diz para a usar, de modo a que essa linearidade nos transmita determinadas experiências íntimas. A sua poesia nunca aponta para a construção do sentido, mas para objectos sentimentais que nos chegam pela limpidez tradicional da frase. Afasta-se, deste modo, duma das pulsões fundamentais da poesia do pós-guerra entre nós, que consiste em procurar um sentido do poema nos próprios modos de expressão verbal. Propõe-nos, ao contrário, o desejo de um certo romantismo ao assumir o poema como exclamação duma experiência pessoal íntima, impulso acordado por essa experiência privilegiada dentro de nós e viabilizado para os outros através da partilhável linguagem de todo comum» (Joaquim Manuel Magalhães, in Os Dois Crepúsculos). 

Sem comentários: