Para o Mário Henrique
Continuar aos saltos até ultrapassar a Lua
continuar deitado até se destruir a cama
permanecer de pé até a polícia vir
permanecer sentado até que o pai morra
Arrancar os cabelos e não morrer numa rua solitária
amar continuamente a posição vertical
e continuamente fazer ângulos rectos
Gritar da janela até que a vizinha ponha as mamas de fora
por-se nu em casa até a escultora dar o sexo
fazer gestos no café até espantar a clientela
pregar sustos nas esquinas até que uma velhinha caia
contar histórias obscenas uma noite em família
narrar um crime perfeito a um adolescente loiro
beber um copo de leite e misturar-lhe nitro-glicerina
deixar fumar um cigarro só até meio
Abrirem-se covas e esquecerem-se os dias
beber-se por um copo de oiro e sonharem-se Índias.
António Maria Lisboa (n. 1928 - m. 1953), in Ossóptico e Outros Poemas. «A sua produção conhecida contém alguns dos mais surpreendentes textos do surrealismo português, mas que, na maioria, talvez por morte prematura do autor, ou pela destruição de quase todo o espólio inédito, nos deixa sobretudo intrigados» (A. J. Saraiva, Óscar Lopes in História da Literatura Portuguesa). «As preocupações fundamentais surrealistas portam-se como
pilares da obra poética de António Maria Lisboa. Sua via principal segue rumo à
liberdade do homem. Elementos como o amor, o sonho, o humor, o exótico e o
esoterismo surgem na sua poesia como meios de atingir a libertação total,
levando-o, pela transcendência de uma noção rasa de realidade, a atingir uma
vida plena, da qual se encontra exilado» (Virgínia Boechat, in Do Amor em Vidro: António Maria Lisboa).
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