Pais que se comportam como adolescentes, adolescentes que
se comportam como crianças, crianças que parecem gente adulta. Não é gralha nem
lapso, os pais preocupam-me. Lido com eles diariamente e, por estes dias, pela
mais estimulante das razões: manuais escolares. Uma contrariedade, como já ouvi
dizer. Não é dinheiro que se gaste com agrado, é dinheiro que se gasta por
obrigação. Muitos nem consideram o dispêndio investimento, é dinheiro deitado
fora porque: os miúdos não querem a escola, a escola não quer os miúdos. A
tragicomédia educativa no país parece dar razão aos pais, mas os pais não têm
razão alguma. Pelo menos muitos daqueles com quem lido, os que parecem ter-se
demitido de serem pais. Demitiram-se de ser pais quando esperam da escola o
papel que é deles: educar. Colocam nos professores o papel que é deles:
transmitir valores. Nem sequer servem de exemplo, nem sequer se preocupam em
dar exemplo. Os pais generalizam-se para simplificar, nem todos serão como estes
pais. Mas vamos passar algodão em rama sobre a chaga? Há cada vez mais pais que
não são pais, são uma espécie, como dizê-lo, de fonte de rendimento até à autonomia.
Não passam tempo com os filhos, e muitos consideram-no uma bênção. Não falam
com os filhos senão para responder a solicitações, as materiais. Os pais dão
trocos para o fim de semana, compram roupa, dão guarida, levam com os manuais
na cabeça, vão de casa para o trabalho e vêm do trabalho para casa cheios de
angústias e de traumas e de frustrações porque, foda-se, tiveram o azar ou
cometeram a imprudência de serem pais. Só não se dizem arrependidos porque Deus
pode ouvi-los e no Inferno há vaga. Os pais que não querem ser pais são uma
praga impossível de desparasitar, não há escola para eles, não há escola para a
escola que também é feita de pais, só há escola para os alunos e alguns, quando
calha, são pais precoces e ficam cheios de medo e pensam na vida e temem pelo
futuro deles e dos filhos e até pelo futuro dos pais. Esta gente complica a
existência, julga-se eterna, desconfio, não terá espelhos para ver o tempo
passar pelo corpo e as faculdades que o vento usurpa. Fazem análises,
radiografam o esqueleto, testes, exames, vão ao médico, consultam psicólogos,
pediatras, metem-se na psicanálise, vão à missa, confessam-se, pagam a bruxas,
astrólogos, quiromantes, retiram o diabo do corpo aos energúmenos que têm lá em
casa e aos que têm dentro de si próprios. Alguns, se pudessem, faziam como
outrora fizeram certas que não lembro quais tribos: matavam os filhos à
nascença. Porque querem ser pais os pais? Para terem uma coisa fofinha lá em casa?
Mas a coisa fofinha chora, esperneia, caga-se, mija, vomita, tem febre, precisa
de cuidados e de tempo e de atenção e, ai o inferno, reivindica porque
reivindicará direitos e nesses direitos começam, claro, as obrigações dos pais:
falar, comunicar, valorar, educar. E amar? Há pais que não amam, há pais que
não foram amados quando eram filhos, mas sobretudo há pais que não sabem amar.
Amam dando, dão contrariados, é como se amassem contrariados, e andam
revoltados com o preço dos manuais, com os resultados da selecção, com a
economia, já nem lêem nem vêem televisão, excepto se for a bola, um filme
erótico, porrada, telenovela a espaços, preferem conversa no café do bairro,
conversa rápida, ocupação certeira, caça, putas, pesca, cartas. Andam à toa e
pela toa trazem os filhos, que crescem e se tornam homens e se fazem pais num
país onde cada vez mais os pais se parecem com os filhos e os filhos com
órfãos. Pelo que se vê nas notícias é assim. Onde andam os pais dos miúdos? Onde
andam os pais desses miúdos que se divertem a atirar carros de compras para o
Mondego? Ou não serão miúdos? Ou terão pais? Onde andam os pais dos praxados e
dos praxantes que estupidificam tudo com a sua simples presença? Virão nos
manuais, estes pais? Não puxam orelhas, prática bárbara, não recriminam, hábito
ultrapassado, reforçam positivamente de acordo com as práticas em vigor, não
tradicionalizam, modernizam, andam nos psicólogos, nos psiquiatras, fazem
psicanálise, perdem-se na estante de puericultura a ler e a comprar livros que
ensinam… a amar os filhos. Isto é tudo inacreditável, a realidade é
inacreditável, os livros sobre educação são inacreditáveis, a pedagogia é
inacreditável, o inacreditável parece estar a funcionar muito bem, é cada vez
mais real, um sucesso de vendas.
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