quinta-feira, 20 de novembro de 2014

CIDADELAS


Os poemas
são cidadelas para os
lábios

Mais longe as sentinelas
do espaço
e os degraus do oceano
no contorno das pálpebras

Na hora anterior
ao vidro das lágrimas
a mulher ocasionou o parto
das cidades

e as plantas
foram úteros reflexos
de água
gerando no lodo
o vício do ódio
submerso nas palavras

Maria Teresa Horta (n. 1937), in Cidadelas Submersas (1961). Com uma primeira obra publicada em 1960, Espelho Inicial, Maria Teresa Horta (n. 1937) começou por ser associada ao grupo Poesia 61, que se propunha «importar de novo o reconhecimento duma hipótese poética que surgisse preocupada com o poema enquanto objecto verbal, mas sem permitir a recuperação desta hipótese pelas escolas formais então existentes» (Joaquim Manuel Magalhães). No entanto, a poesia da autora de Tatuagem (1961) distanciava-se da dos demais elementos do grupo, entre eles Gastão Cruz, Fiama Hasse Pais Brandão, Luiza Neto Jorge e Casimiro de Brito, por nela ser evidente um erotismo desassombrado, que viria a agudizar-se em livros subsequentes, marcado pela «veemência da sua iconoclastia feminista» (A. J. Saraiva, Óscar Lopes). Ainda que sejam estas as marcas mais reconhecidas da poesia de Maria Teresa Horta, não se pode excluir da mesma a atenção social que livros tais como Cronista não é Recado (1967) ou Mulheres de Abril (1977), já posterior à revolução dos cravos, quiseram sublinhar. 

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