domingo, 23 de novembro de 2014

TRISTE PAÍS

Não há, de facto, paciência para tanta hipocrisia, no arrasto da qual se manifesta tanta estupidez. Acabei de ver o ex-primeiro-ministro Pedro Santana Lopes, o mesmo que chegou a primeiro-ministro sem ir a votos, para passados poucos meses ver a Assembleia da República dissolvida e ser posto a andar pelo Presidente da República Jorge Sampaio, manifestar a sua profunda tristeza pelo que está a acontecer ao país. Se Diogo Infante viu o que eu vi deve ter vomitado para cima da televisão. O que está a acontecer ao país… Bem, o que está a acontecer é que o ex-primeiro-ministro José Sócrates foi detido, segundo a Procuradoria-Geral da República, por «suspeitas dos crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção». Na sequência da detenção tem sido mantido nos calabouços da polícia, sem que saibamos porquê. Um jornal avança que Sócrates teria sido informado da possível detenção antes de resolver regressar a Portugal. Podia ter ido visitar Dias Loureiro a Cabo Verde. Não foi. Muitas pessoas se espantam, e bem, com a forma como foi detido e o porquê de ser mantido na prisão, causando o mesmo espanto o facto de jornais que sempre fizeram marcação cerrada a Sócrates estarem no local da detenção à hora certa. Coincidência? Fuga de informação? Perguntem à Felícia Cabrita, essa misteriosa figura do jornalismo português que anda sempre um passo à frente da realidade.
 
Enfim, atenhamo-nos aos factos e desprezemos tudo o que seja especulação. Até ver, vi pouco de novo. Mas lembrei-me de muita coisa velha. Ao ver o ar triste de Santana Lopes lembrei-me do caso Moderna e da empresa de sondagens de Paulo Portas, lembrei-me do processo Casa Pia e da vergonhosa politização de que foi vítima… Lembrei-me disto tudo por se repetirem personagens sempre sinistras a meus olhos, métodos, fugas de informação, direitos básicos desrespeitados, vozearia, confusão. Mas também porque à época em que esses casos ocorreram eu colaborava com um jornal tristemente conhecido como o mais fantasmagórico da imprensa portuguesa.
 
Não se encontra na Internet muita informação disponível sobre esse jornal, de seu título Semanário. Em 2003, uma notícia do DN informa que «O Banco Efisa arrematou (…) em leilão público os títulos de registo de propriedade do jornal "Semanário" e da revista "Olá/Semanário" por 945 mil euros (cerca de 190 mil contos), metade do valor a que foi submetido a hasta pública. Esta entidade bancária era um dos principais credores do jornal dirigido por Rui Teixeira Santos que foi decretado falido pelo Tribunal Comercial de Lisboa há praticamente dois anos». Isto foi em 2003. O jornal continuou a publicar, mas nunca ninguém soube explicar como. Nem nunca ninguém parece ter-se interessado. A imprensa raramente investiga a imprensa. A mesma notícia adianta que «O jornal dirigido por Rui Teixeira Santos tinha dívidas ao Estado - entre Segurança Social e entidades fiscais - na ordem dos sete milhões de euros (1,4 milhões de contos), e a entidades privadas, num valor total que rondaria, de acordo com o jornal "O Independente" da passada semana, os 19,5 milhões de euros (perto de 3,9 milhões de contos)». Muito dinheiro, ainda mais em 2003. O sublinhado é meu.
 
Pouco mais se encontra sobre a história do Semanário. Apenas duas notas: a emissão de um mandato de detenção de Rui Teixeira Santos para garantir a sua comparência num julgamento em que era acusado de “crime de abuso de liberdade de imprensa” e o obituário do jornal ocorrido em 2009. Não estranhei o obituário, estranhei a demora. Devo dizer que enquanto colaborador do jornal sempre fui pago a tempo e horas. Os pagamentos processavam-se à semana, em dinheiro, não sendo passado um único recibo sobre o pagamento. Não havia contrato. Eu pecador me confesso. Os poucos meses que por lá passei fizeram-me um jeitão. Muitas vezes me interroguei de onde viria o dinheiro. Da publicidade não era, das vendas muito menos. Nunca encontrei resposta, iliba-me a passagem efémera?
 
Ora, voltei a ouvir falar de Rui Teixeira Santos recentemente. Não sei se as dívidas acima referidas foram saldadas, não sei se algum governo beneplácito as perdoou, sendo certo que o director do jornal se mantém no activo. Não como jornalista, mas, ao que parece, como «coordenador dos gabinetes de Estudos e Planeamento e de Auditoria Interna da Misericórdia de Lisboa». O sublinhado é meu. E repito: «coordenador dos gabinetes de Estudos e Planeamento e de Auditoria Interna da Misericórdia de Lisboa». Foi nomeado para o cargo, espantem-se!, pelo tristonho Santana Lopes. É ler aqui. A notícia é toda ela um tratado sobre pesares, tristeza e melancolia.

6 comentários:

sonia disse...


Conhece aquela frase :
"Eu sou você amanhã"? Pois é o que está faltando acontecer aqui no Brasil. Faço votos!!!

jpt disse...

ó hmbf é uma merda que um tipo como V. bote uma borregada como essa de que o PSL foi para o governo sem ter ido a votos. A gente vota (normalmente mal) em partidos. Ou V. também já está na bimbalhice dos concursos de miss primeiro-ministro? Até V.?

hmbf disse...

JPT, quando colaborei com o supracitado fiz um artigo intitulado, se bem me lembro, "As Cortesãs do Regime" que, em parte, responderia à sua pergunta. Mas agora não estou para ir procurar aos arquivos. O título parece-me elucidativo.

jpt disse...

o título é porreiro, e mais realista fica quando a gente desliza para o impensamento. Quanto ao referido supracitado sei-o antigo presidente do meu Sporting ...

Anónimo disse...

Curioso que enquanto jornalista não se tenha interrogado e pesquisado como recebia a tempo e horas. Coisa rara no panorama empresarial não?
Sobre o Semanário as histórias são muitas, mas a verdade custa em aparecer.
Mas que interessante ver a comichão que lhe fez Santana Lopes. Será que foi por ter sido um gentleman e ter dito o que deve um Estadista dizer? Pois. Acredito que será enorme a comichão.

hmbf disse...

Anónimo, nunca fui nem sou jornalista. Colaborava com o jornal enquanto autor de crónicas sobre novas tendências.

Comichão com Santana, esse grande Estadista, só senti quando ele era presidente do meu Sporting e se referiu a uma obra do saudoso Alface.

Mas sobre o grande Estadista, sugiro-lhe que vá aqui: https://ancorasenefelibatas.wordpress.com/2014/10/31/curiosidades-epistolares/ .

Não querendo dar-se ao trabalho, deixo-lhe por graça:

Santana Lopes is known for his Quaylesque gaffes,[citation needed] which include: claiming that the non-existent Chopin violin concertos were his favourite piece of classical music; having his secretary send a postcard to Brazilian author Machado de Assis (died 1908); calling a press conference to announce a threat on his life when in fact he had received a teaser mailing for a book titled Cuidado com os Rapazes (“Watch out for the boys”); announcing that he would leave the political field in protest for his private life being parodied in a TV show, if the President didn’t intervene (he didn’t); seeming to have missed a formal reception to the Mozambican Minister of Foreign Affairs in order to attend a fashion show; postponing the inauguration of some of his Secretaries of State in order to attend a wedding; appearing lost in the middle of his inauguration speech, with long and embarrassing silences, confusing pages and looking nervous (he said in an interview to newspaper Expresso that it was hot that day, people had already fainted in the audience and he himself wasn’t feeling too well, so he tried to cut the speech short).
In the Portuguese Parliament, in 2008, saying that the country was emitting too much Kilowatts of Carbon Dioxide. Carbon Dioxide is a substance, so measured in tons, as Kilowatt is a Power unit.