Nos seus acessos de misoginia o médico costumava classificar as mulheres consoante o tabaco que usavam: a raça Marlboro-sem-ser-de-contrabando lia Gore Vidal, passava o verão em Ibiza, achava Giscard d'Estaing e o príncipe Filipe muito pêssegos e a inteligência uma maçada esquisita; o tipo Marlboro-de-contrabando interessava-se por design, bridge e Agatha Christie (em inglês), frequentava a piscina do Muxaxo e considerava a cultura um fenómeno vagamente divertido quando acompanhado do amor do golf; o género SG-Gigante apreciava Jean Ferrat, Truffaut e o Nouvel Observateur, votava Socialista e mantinha com os homens relações ao mesmo tempo emancipadas e iconoclastas; a classe SG-Filtro tinha o poster de Chr Guevara na parede do quarto, nutria-se espiritualmente de Reich e de revistas de decoração, não conseguia dormir sem comprimidos e acampava aos fins de semana na lagoa de Albufeira conspirando acerca da criação de um núcleo de estudos marxistas; o estilo Português-Suave não se pintava, cortava as unhas rentes, estudava Anti-Psiquiatria e agonizava de paixões oblíquas por cantores de intervenção feios, de camisa da Nazaré desabotoada e noções sociais peremptórias e esquemáticas; por fim, o lúmpen do tabaco de mortalha enlanguescia ao som dos Pink Floyd em gira-discos de pilhas junto à Suzuki do amigo de ocasião, adolescentes fazendo reclame aos amortecedores Koni nas costas dos blusões de plástico. À margem desta taxonomia simplificada situava-se o grupo da Boquilha, menopáusicas donas de boutiques, de antiquários e de restaurantes em Alfama, tilintantes de pulseiras marroquinas, saídas directamente dos esforços dos institutos de beleza para os braços de homens demasiado novos ou demasiado velhos, que lhes ajardinavam as melancolias e as exigências em duplexes a Campo de Ourique, inundados da voz de Ferré e dos bonecos de Rosa Ramalho, e onde as lâmpadas indirectas tingiam os seios gastos de uma penumbra púdica e favorável.
António Lobo Antunes, in Memória de Elefante, Vega, 5.ª edição, Julho de 1980, pp. 75-76.
À época, entenda-se, ainda não tinha surgido a casta dos cigarros electrónicos, praticante de Reiki aos fins-de-semana, amante de sushi e especialmente interessada em tudo o que seja gadjet, para quem a noite perfeita é um passeio pelo Facebook a espreitar a felicidade alheia, enquanto afaga o smartphone ao lado do balde de pipocas, prefere a higiene do dildo a qualquer relação humana, evitando especialmente homens para quem a tecnologia seja sinónimo de distância; Monica Lewinsky também não tinha experimentado os charutos de Bill Clinton, agradável história de estagiários que terá de ficar para outra altura.
5 comentários:
português suave e tabaco de enrolar. :D
je suis ventilan
fosse gaja, não entrava nas contas :-/
ninguém entra nas contas de ninguém, na verdade. cada fumadora é uma fumadora em si mesma, o que não impede que aqui e ali o retrato não veja por entre a cortina de fumo de cada uma delas. o antunes teve piada com o sarcasmo dele, só isso. lá por se fumar tabaco de enrolar, não significa que se veja enrolada. ;)
pois eu tenho para mim que, seja homem ou mulher, quem fume tabaco de enrolar gosta de ondas... e muito provavelmente passa a vida a estudar anti-psiquiatria.
lá está. nem é preciso conhecer as pessoas, basta saber que tipo de tabaco fuma ou por que inalador nebuliza. tão mais fácil. eheh. quem aspergir ventilan gosta de neblina da manhã e prefere a Odisseia à Ilíada (das 08:00 às 18:00) e a Ilíada à Odisseia (das 18:01 às 07:58), com um minutinho para respirar entre as épicas.
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