sábado, 7 de fevereiro de 2015

THE PLAINSMAN (1936)

De regresso aos westerns, reparo quão injusta é a ausência de Cecil B. DeMille (1881-1959) nesta lista. Apesar de ter ficado na história do cinema pelas recriações bíblicas, DeMille foi desde o início da sua carreira devoto do mais antigo dos géneros cinematográficos. Ainda no tempo do mudo, o primeiro dos seus filmes creditados é um western: The Squaw Man/O Exilado (1914). O mesmo filme será readaptado em 1918 e 1931. Mas a obra-prima do autor de The Ten Commandments no género é The Plainsman/Uma Aventura de Buffalo Bill (1936). O título português não faz justiça à verdadeira estrela da companhia, a lenda Wild Bill Hickok (homem livre das vastas planícies selvagens, conhecedor dos dialectos índios e dos seus costumes). De seu verdadeiro nome James Butler Hickok (1837-1876), Wild Bill ficou conhecido não apenas pela longa cabeleira, imagem de marca que o aspecto limpo de Gary Cooper está longe de honrar, mas pela pontaria afinada ao serviço da União. Foi amigo de William Cody, conhecido por Buffalo Bill, interpretado por James Ellison neste filme, e amante de Calamity Jane, famosa batedora que fez frente aos índios em diversas ocasiões. Jean Arthur é uma Calamity Jane muito mais elegante e feminina, assim como muito menos calamitosa do que as fotografias da época permitem supor. Como não podia deixar de ser, estas lendas do Velho Oeste aparecem no cinema expurgadas de quaisquer rugosidades humanas. São os conquistadores do Oeste Selvagem, líderes de uma missão incutida por Abraham Lincoln após a Guerra Civil e antes de ser assassinado. Também o malogrado General Custer surge representado pelo actor John Miljan.


Lincoln, Custer, Wild Bill Hickok, Buffalo Bill e Calamity Jane compõem a cartada desta aposta onde se joga a conquista do Oeste, então perturbada e dificultada pela guerrilha dos índios que se opunham às leis brancas e ao progresso que deixava atrás de si o rastro sangrento do extermínio de búfalos (a alcunha de William Cody não é fruto do acaso) e a destruição da natureza. Portanto, também aqui estamos entre figuras bíblicas. Neste caso, os protagonistas do desenvolvimento de uma nação tal como hoje a conhecemos. A diferença está em que destes protagonistas temos a certeza de uma existência factual, deles chegam-nos fotografias e relatos mais ou menos credíveis. Sobre eles se construíram histórias e ficções, pese a dimensão mitológica a que nenhuma historiografia popular está imune.  Cecil B. DeMille não lhes retira essa aura, antes a reforça exaltando o heroísmo das acções levadas a cabo, a justeza das decisões, a coragem e o sacrifício em nome de valores que eram os da figura tutelar de Lincoln. DeMille embeleza os seus heróis, obedecendo aos códigos cinematográficos de uma indústria em ascensão. O filme acrescenta, porém, às aventuras e desventuras das figuras retratadas uma raríssima, à época e ainda hoje, menção ao poder pantanoso do negócio de armas. Desviando-se dos factos negros da História, o realizador não deixa de aludi-los. A cena em que os industriais de armamento debatem o que fazer com as armas que o fim da Guerra tornou inúteis, optando por vendê-las ilegalmente às nações índias, pode não ser fiel aos factos, mas é hoje de uma irónica pertinência. No fundo, por detrás dos grandes gestos destes heróis medra a inconspícua indústria do armamento. Com os seus ardis, artimanhas e total ausência de escrúpulos, o negócio é uma espécie de agente duplo ao serviço da sua egoísta prosperidade. Não importa quem detenha as armas, conquanto sejam apetecidas e pagas. Em 1937, tais questões não colocavam a quem visse o filme de Cecil B. DeMille. Talvez as pessoas estivessem mais interessadas em alimentar os mitos nacionais que engrandeciam a América face a uma Europa em erupção. Hoje o pormenor não pode escapar, até porque a verdadeira aventura de Buffalo Bill já não é caçar búfalos, matar índios ou capturar o seu amigo Wild Bill Hickok. A aventura é perceber porque estão impedidas as pessoas de viver sossegadamente num mundo pacífico, um mundo que deixe de ser a mesa de jogo onde a batota custa vidas humanas e enriquece quem não sabe disparar senão pelas costas.

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