quarta-feira, 18 de março de 2015

LISTAS

Há pessoas que são viciadas em listas. Fazem listas de tudo, listas dos livros que leram, dos filmes que viram, dos discos que ouviram. Ou do que têm e do que pretendem ter. Outras, mais minuciosas, fazem listas redondas, geralmente de 10, 50 ou 100 dos melhores livros que leram, dos melhores filmes que viram, dos melhores concertos a que assistiram. Eu gosto de listas, mas não sou viciado. As listas ajudam-me a organizar a memória, têm também uma função selectiva que me parece útil. Raramente respeito os pressupostos das listas que inicio, como nesta lista dos westerns que deve verantes de morrer. Eram para ser 50, mas dei-lhe continuidade. O trabalho de ter que escolher apenas 50  tornava a lista cansativa, roubando-lhe a sua principal função: ser um divertimento. Quando era miúdo acontecia-me o mesmo com as colecções, fazia colecção de tudo sem fazer colecção de nada. Começava colecções umas por cima das outras. As listas estão na moda, as listas vip, a lista swissleaks, a lista de pedófilos… Sobre esta, muito se tem dito de acertado: é um atentado ao estado de direito, conceito vago na cabeça dos actuais governantes, que convida à justiça popular. Esta lista de pedófilos faz-me lembrar a estrela que os nazis colocavam no peito dos judeus, um estigma que diminuía as pessoas socialmente fazendo delas cidadãos de segunda. Trata-se de uma mentalidade muito popular que não custa perceber, as massas actuam movidas por emoções, a razão dos seus comportamentos é ínfima. É difícil ser-se homem em comunidade, a comunidade transforma-nos em animais que agem por repetição, cópia, em catadupa. As empresas também fazem as suas listas. Na empresa onde trabalho há agora uma lista de incumpridores, ideia estapafúrdica por certo germinada na cabeça de um qualquer professor primário do antigo regime que senta a um canto da sala, com orelhas de burro, o aluno faltoso. É óbvio que nessa lista de incumpridores só aparecem as galinhas na base do galinheiro, aquelas que passam a vida a limpar da testa a merda que os galos e as galinhas do poleiro vão fazendo. Nessas listas de incumpridores jamais constarão elementos da direcção comercial ou dos departamentos centrais, porque esses não falham e cumprem escrupulosamente as suas funções. Nas hierarquias do poder quem manda é sempre perfeito, só falha quem obedece. Julgava eu que esta mentalidade, muito em voga nos dias que correm, estava obsoleta. Infelizmente não é assim, continuamos entregues a pessoas cuja mentalidade social equivale à de um gorila no seio do seu grupo. As listas de pedófilos resultam disso mesmo, de uma vontade de excluir mais do que de integrar, de censurar mais do que educar, de punir mais do que de tratar, são uma marcha-atrás civilizacional que nos há-de levar ao tempo da caça às bruxas. A dúvida que se impõe é: por que não ir mais longe na obsessão das listas fazendo listas de cidadãos tóxicos, faltosos, listas de políticos corruptos que os marcassem para a vida. Espetávamos com um letreiro na testa do actual Primeiro-ministro: mentiu, não pagou impostos, viveu de ajudas de custo. A actual ministra da justiça, a ministra do caos, a ministra que ainda há pouco pedia desculpas à nação pelas precipitações reformistas, a ministra que dizia ter-se acabado o tempo da impunidade, não pode ficar impune a tal ideia. Como já outros disseram, ao primeiro crime de justiça popular que ocorra na sequência dessas listas estigmatizantes ela tem que sentar-se no banco dos réus. Sabemos que isto nunca irá acontecer, porque neste país nunca um político se sentou ou sentará no banco dos réus por medidas criminosas que tenha implementado. Não só são impunes, como irresponsáveis. São inimputáveis. Também não admira que assim seja com um tecido social medíocre como o nosso, o qual se revela estrondosamente nas audiências da televisão, nos tops das livrarias, nos interesses partilhados em redes sociais, na demissão dos deveres cívicos que os próprios políticos eleitos pelo povo promovem com os seus esquecimentos e baixas atitudes. 

3 comentários:

bea disse...

Malhereusement, o seu artigo é todo verdadeiro. Atravessamos tempos difíceis, de verdadeira crise do homem.

hmbf disse...

Não estamos longe do faroeste.

Anónimo disse...

"É difícil ser-se homem em comunidade, a comunidade transforma-nos em animais que agem por repetição, cópia, em catadupa."

eu concordo em absoluto com esta frase. fujo disto, sempre fugi ou tentei fugir à repetição, à cópia, ao comportamento formatado...

por outro lado, parece-me que só somos homens no sentido pleno do termo (aqui entendido como ser humano) se vivermos em comunidade, as nossas necessidades sociais assim o obrigam. assim sendo, se a comunidade nos transforma em animais mas se temos de viver em comunidade porque não temos alternativa, então, só seremos homens na verdadeira acepção da palavra se formos animais, animais sociais que partilham a sua vida com os outros e que encontram nos outros a sua razão de existir.

E, diria eu, quanto mais animais formos, mais homens seremos. Claro que podemos sempre tentar não o ser, isto é, viver em comunidade mantendo a humanidade, mas isso é, como diz, difícil. nos tempos que correm então, bolas, parece que quanto mais animalescos formos, melhor. isto é, mais humanos somos.

há políticos, intelectuais e comentadores, por exemplo, que conseguem dizer na mesma frase ou em frases imediatamente seguidas que querem defender a união europeia mas que não querem ser confundidos com este ou aquele país (no caso português isto traduz-se no incrível slogan "nós não somos a grécia").

quer-me parecer que um chimpanzé, vestido de fato e gravata, se conseguisse emitir uma opinião sobre a crise actual, em troca de um cacho de bananas, como é evidente, diria exactamente a mesma coisa e depois quem o ouvisse diria que estávamos perante um grande estadista.

Desculpe lá o devaneio e a possível falta de lógica/interesse deste comentário. Mas foi o que me veio à cabeça depois de ter lido este texto.

Zé.