Quando conjugadas, certas notícias exacerbam a
pornografia do mundo em que vivemos. De regresso a casa, com o auto-rádio sintonizado
na Antena 1, escuto a excelente crónica de Joaquim Vieira sobre as dívidas do
Primeiro-ministro à Segurança Social. Quem disponibiliza essa crónica? Seria
óptimo, tão perfeita me pareceu a síntese. Chego a casa e dão-me conta
disto: fisco penhora alimentos doados para ajudar carenciados do Porto. Sem entender
o sentido de tais notícias num país que é o meu, faço pausa para levar o cão à
rua, vazar o lixo, fumar um cigarro. E penso como podiam ser límpidos os fins de
tarde se fôssemos todos ignorantes.
Quando o Primeiro-ministro andou a faltar
às suas obrigações, eu armei-me em esperto e mantive-me informado. Se tivesse
sido ignorante talvez fosse mais feliz. Mas não, quis cumprir, informei-me, fui
parvo. Os ignorantes são sempre os mais espertos, até chegam a Primeiro-ministro
com currículos medíocres. Não precisam sequer de trabalhar, basta-lhes fazer o
frete das juventudes partidárias onde se aprende a dizer com convicção sou um cidadãos honesto. Não obstante, por mais que o digam jamais será por dizê-lo
que estas almas se tornarão, de facto, honestas. E Passos há muito demonstrou que o não é.
Viveu de ajudas de custo quando outros – eu, por exemplo – tiveram que fazer
pela vida para suportar os custos de não terem ajudas. Pior que eu, que sempre
pude contar com uma família estável e unida, gente só e completamente
desamparada, uns mais sérios, outros menos, uns mais exigentes, outros nem por
isso, uns mais cumpridores, outros nem tanto, uns mais informados, outros mais
ignorantes. Todos a fazer pela vida sem ajudas de custo.
Comecei a
trabalhar e a descontar em 1997. Entre 2000 e 2008, tive que me desenrascar no
labiríntico mundo das cadernetas de recibos. Quando o primeiro-ministro do meu
país não pagava, aguardando que o Estado o incomodasse ou esperando talvez que
o tempo liquidasse as dívidas, eu fui parvo, fui néscio, fui totó, fui imbecil.
Ou seja, informei-me. E paguei, paguei sempre. Sei quanto me custou pagar. Era
dinheirinho que me fazia falta, sobretudo quando chegavam aquelas alturas
dos subsídios de férias e de Natal, ou coisa que o valha, e eu não via nada
porque os recibos verdes não davam nem dão direito a nada. Às vezes esquecia-me de
pagar, atrasava-me. Uma vez por um dia. Logo me recriminava, sobretudo quando chegavam
as cartas para pagar multas e juros de mora porque me tinha atrasado... nem que fosse um só dia.
Que estupidez a minha. Se eu
soubesse que podia pensar que era facultativo e esperar que prescrevesse. Mas
que porra, a mim os directores gerais disto e daquilo sempre ameaçaram com
penhoras. Eu, trabalhador independente a cumprir horários num colégio privado e
em centros de formação profissional. Por vezes deslocava-me à Segurança Social
para pagar, depois passei a fazê-lo por MB (quando dentro do prazo). Recordo-me
que a determinada altura o montante que descontava aumentou exponencialmente. O
Primeiro-ministro não se deve recordar, pois ele não pagava. Ele estava
convencido de que era tudo facultativo.
Só quando chegou ao governo ocorreu à aventesma que era preciso pagar, lembrou-se com tal clareza que pôs todos a pagar taxas e sobretaxas e mais isto e aquilo e
aqueloutro, por ser dever nacional contribuir para que ele passe por bom aluno
no colégio alemão. Não satisfeito, aumentou impostos, usurpou direitos. Vivíamos acima das nossas possibilidades, embora, ao contrário dele, sempre tivéssemos pago as nossas dívidas. Pedro Passos Coelho é o nome deste patego que nos governa.
Não se esqueçam do nome nem do rosto, ele há-de ser estudado nas escolas
se o Crato continuar no ministério da tutela. Tais são as vantagens de se ser
ignorante no mundo idealizado por estes pulhas.
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