segunda-feira, 13 de abril de 2015

A MATÉRIA DAS PALAVRAS


Estamos aqui. Interrogamos símbolos persistentes.
É a hora do infinito desacerto-acerto.

O vulto da nossa singularidade viaja por palavras
matéria insensível de um poder esquivo.

Confissões discordantes pavimentam a nossa hesitação.
Há uma embriaguês de luto em nossos actos-chaves.

Aspiramos à alta liberdade
um bem sempre suspenso que nos crucifica.

Cheios de ávidas esperanças sobrevoamos
e depois mergulhamos nessa outra esfera imaginária.

Com arriscada atenção aspiramos à ditosa notícia de uma perfeição
especialista em fracassos.

Estrangeiros sempre
agudamente colhemos os frutos discordantes.

Ana Hatherly (n. 1929 - m. 2015), in O Pavão Negro (2003). «As experiências matemático-combinatórias de Max Bense e sua escola de Estugarda, as reflexões de Mallarmé e outros precursores sobre a importância do espaço gráfico, as tentativas de Ezra Pound e outros no sentido de assimilar os recursos da escrita ideográfica chinesa à já milenar escrita fonética ocidental, a teoria de W. Empson sobre a ambiguidade poética e a de Umberto Eco sobre a obra aberta, que contava com o aleatório de cada execução ou interpretação - tudo isto, aliás, assimilado pelo concretismo e pelo praxismo brasileiros de Haroldo de Campos e Mário Chamie, respectivamente, converge nos actuais teorizadores e críticos portugueses da poesia experimental: Ernesto Manuel de Melo e Castro, Ana Hatherly, M. S. Lourenço, Gastão Cruz, Herberto Helder e António Ramos Rosa, estes três tangencialmente. (...) Ana Hatherly, polifacética e muito produtiva, tem os seus primeiros volumes de poesia reunidos em Poesia (1958-1978), a que se seguiram O Cisne Intacto, 1983; Anacrusa (narrativas de sonhos, comentados por outras pessoas), 1983; e As Palavras, 1988, além de ficção (...), ensaios, volumes de autoria conjunta, e mais recentemente estudos sobre a estética barroca e neobarroca» (A. J. Saraiva e Óscar Lopes, in História da Literatura Portuguesa).

1 comentário:

bea disse...

Aprecio a poesia de Ana Hatherly. Não sei porquê e até penso que não me interessa a justificação. Só aprecio.