Sinto-me confuso, não entendo isso da hegemonia esmagadora do
capitalismo e das liberdades universais. Pintaram-nos o estalinismo como um dogma burrocrático,
o peso sufocante da organização impedindo o fluxo de ideias, castrando a
criatividade, robotizando comportamentos com uma paranóica imposição de
procedimentos, planificações, planos. A teoria desvinculada da prática,
impondo-se à prática de cima para baixo. Sendo que quem estava por cima
raramente tinha a prática, o conhecimento prático da realidade dos que estavam por
baixo. Assim nos pintaram o estalinismo que ergueu a Rússia dos sovietes a potência mundial. Qual a diferença entre isto e a vida
de tantas empresas privadas na actualidade? Intimidação, medo, humilhação pura
e descarada, a teoria dos que estão por cima sendo forçada à realidade dos que
estão por baixo sem qualquer conhecimento de causa, sem diálogo, sem debate,
sem discussão, apenas a mesma e sempiterna mania persecutória de que quem não
concorda comigo está contra mim. Paranóia, alienação. Quem
disse que o estalinismo morreu? O estalinismo, pelo menos tal qual o pintam
historiadores capitalistas, é o quotidiano do maravilhoso mundo privado de uma
imensa fracção do mundo empresarial. Não se matam pessoas, atira-se-lhes com a
tortura do desemprego. As purgas têm cambiantes inimagináveis, são correntes e
estão entranhadas na mentalidade fascista de quem manda, de quem detém poder,
por mínimo que seja, é uma coisa humana que vem do fundo recessivo e miserável da
obediência cega a um ideal de perfeição: eficiência, sucesso, expectativas, competência.
Inimiga do improviso e da espontaneidade, pretende automatizar a
espontaneidade. Não se apercebe que uma espontaneidade automatizada deixa de
ser espontânea, passa a ser um comportamento previsível que satisfaz apenas a
nevrótica obsessão do avaliador, do recriminador, do burrocrata. Mais viva que
nunca, essa tal metodologia estalinista que a historiografia oficial fixou é
uma praga disseminada pelos canais da eficiência capitalista. Talvez um dia nos leve à lua. Ou à rua. Não sei. Que tudo isto vá acontecendo mais ou menos silenciosamente é sinal de uma
apatia que não dignifica a democracia, uma democracia de mordaça na boca e mãos
atadas.
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