terça-feira, 27 de outubro de 2015

NÁUSEA

Algo de muito estranho está a suceder na Europa. Há pouco mais de um ano, as notícias eram estas: 
A Frente Nacional de Marine Le Pen venceu as eleições francesas com cerca de 26% dos votos... 
O partido de extrema-direita na Áustria (FPO) deve conseguir 20% dos votos nas eleições europeias... 
Aurora Dourada (neonazi) que alcança um resultado entre os oito e os 10% e a possibilidade de eleger dois eurodeputados... 
Já na Inglaterra a vitória sorriu aos eurocépticos do UKIP, que quer a saída da União Europeia e controlos mais apertados da imigração... 
Muitas vozes se levantaram sobre o rumo político da União Europeia, preocupações diversas se manifestaram em espaços de debate público. Vem agora o Presidente do PPE manifestar a sua enorme preocupação com a possibilidade de uma coligação à esquerda em Portugal. Extraordinárias preocupações vindas de uma bancada onde se sentam lado a lado, todos os dias, os "democratas" do Fidesz – União Cívica Húngara e os cristãos-democratas da Europa preocupada. Parece-me legítimo perguntar por que treme mais a Europa democrata cristã com uma possível aliança à esquerda em Portugal do que com os muros erguidos na Hungria pelos seus camaradas do Fidesz, os quais acabaram de regozijar com a vitória dos nacionalistas eurocépticos na Polónia. Por que não são Viktor Orbán e Beata Szydlo tão preocupantes quanto Catarina Martins e Jerónimo de Sousa? 
Desconfiamos que os mercados tremam de horror perante a possibilidade da esquerda começar a unir-se na Europa, como não tremem face ao crescimento e à união da extrema-direita, por haver na esquerda reivindicações sociais que põem em causa o projecto europeu dos fabricantes de automóveis com dispositivos que manipulem as emissões de poluentes. Mas depois um néscio como eu olha para a síntese do contexto polaco e pasma:
«A economia polaca tem crescido acima dos 3% ao ano na última década – e o facto de não estar na zona euro permitiu-lhe passar ao lado da recessão que afectou a maioria dos países europeus, em 2009 –, mas isso não bastou para que a Plataforma Cívica renovasse a confiança dos eleitores. Apesar do sucesso dos números, muitos dos 38 milhões de polacos continuam sem sentir melhorias nas suas carteiras, devido à precariedade do trabalho e aos baixos salários, algo que tem sido aproveitado pelo populista Lei e Justiça. Marcadamente católico, o partido propõe a redução da idade da reforma de 67 para 65 anos entre os homens e para 60 anos entre as mulheres (para que possam passar mais tempo com a família); o aumento do salário mínimo; e o aumento das taxas de impostos para os bancos».
Onde é que já ouvimos isto? A Polónia é, pois, um caso à parte. Não integra a zona euro, pode crescer e propor medidas impensáveis dentro do Tratado Europeu tais como as sublinhadas acima. E os mercados não tremem. Nem o senhor Presidente do PPE fica com gripe. Temos assim à vista de todos uma realidade estranhíssima. O que amedronta a direita dita democrata e cristã é a possibilidade das políticas de esquerda travarem a Europa dos muros, a Europa xenófoba, a Europa dos pigs, a Europa com filhos e enteados, uma Europa de países subalternos, feridos na sua independência, incapazes de crescer e de se afirmar porque sufocados por tratados castradores. 
Os mercados não se ressentem quando a Europa vende armas a regimes obscuros nem quando trata refugiados como se fossem terroristas nem quando importa automóveis para a China, os mercados não se ressentem quando a Europa levanta a saia aos olhos voluptuosos das economias emergentes. Mas ressentem-se imenso quando a esquerda portuguesa se aproxima e abre as portas da esperança a um país sangrado nos últimos quatro anos como nunca em regime democrático. Se isto não é para rir, só pode ser para nausear. Vivam os mercados, morra a Europa!

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