Algo de muito estranho está a
suceder na Europa. Há pouco mais de um ano, as notícias eram estas:
A Frente
Nacional de Marine Le Pen venceu as eleições francesas com cerca de 26% dos
votos...
O partido de extrema-direita na Áustria (FPO) deve conseguir 20% dos
votos nas eleições europeias...
…Aurora Dourada (neonazi) que alcança um
resultado entre os oito e os 10% e a possibilidade de eleger dois eurodeputados...
Já na Inglaterra a vitória sorriu aos eurocépticos do UKIP, que quer a saída da
União Europeia e controlos mais apertados da imigração...
Muitas vozes se
levantaram sobre o rumo político da União Europeia, preocupações diversas se
manifestaram em espaços de debate público. Vem agora o Presidente do PPE manifestar
a sua enorme preocupação com a possibilidade de uma coligação à esquerda em
Portugal. Extraordinárias preocupações vindas de uma bancada onde se sentam
lado a lado, todos os dias, os "democratas" do Fidesz – União Cívica Húngara e os
cristãos-democratas da Europa preocupada. Parece-me legítimo perguntar por que
treme mais a Europa democrata cristã com uma possível aliança à esquerda em
Portugal do que com os muros erguidos na Hungria pelos seus camaradas do
Fidesz, os quais acabaram de regozijar com a vitória dos nacionalistas eurocépticos
na Polónia. Por que não são Viktor Orbán e Beata Szydlo tão preocupantes quanto
Catarina Martins e Jerónimo de Sousa?
Desconfiamos que os mercados tremam de
horror perante a possibilidade da esquerda começar a unir-se na Europa, como não
tremem face ao crescimento e à união da extrema-direita, por haver na esquerda reivindicações
sociais que põem em causa o projecto europeu dos fabricantes de automóveis com dispositivos
que manipulem as emissões de poluentes. Mas depois um néscio como eu olha para a síntese do
contexto polaco e pasma:
«A economia polaca tem crescido acima dos 3% ao ano
na última década – e o facto de não estar na zona euro permitiu-lhe
passar ao lado da recessão que afectou a maioria dos países europeus, em 2009
–, mas isso não bastou para que a Plataforma Cívica renovasse a confiança dos
eleitores. Apesar do sucesso dos números, muitos dos 38 milhões de polacos
continuam sem sentir melhorias nas suas carteiras, devido à precariedade do
trabalho e aos baixos salários, algo que tem sido aproveitado pelo
populista Lei e Justiça. Marcadamente católico, o partido propõe a redução
da idade da reforma de 67 para 65 anos entre os homens e para 60 anos entre
as mulheres (para que possam passar mais tempo com a família); o aumento do
salário mínimo; e o aumento das taxas de impostos para os bancos».
Onde
é que já ouvimos isto? A Polónia é, pois, um caso à parte. Não integra a zona
euro, pode crescer e propor medidas impensáveis dentro do Tratado Europeu tais
como as sublinhadas acima. E os mercados não tremem. Nem o senhor Presidente do
PPE fica com gripe. Temos assim à vista de todos uma realidade estranhíssima.
O que amedronta a direita dita democrata e cristã é a possibilidade das políticas
de esquerda travarem a Europa dos muros, a Europa xenófoba, a Europa dos pigs,
a Europa com filhos e enteados, uma Europa de países subalternos, feridos na
sua independência, incapazes de crescer e de se afirmar porque sufocados por
tratados castradores.
Os mercados não se ressentem quando a Europa vende armas a
regimes obscuros nem quando trata refugiados como se fossem terroristas nem
quando importa automóveis para a China, os mercados não se ressentem quando a
Europa levanta a saia aos olhos voluptuosos das economias emergentes. Mas
ressentem-se imenso quando a esquerda portuguesa se aproxima e abre as portas
da esperança a um país sangrado nos últimos quatro anos como nunca em regime
democrático. Se isto não é para rir, só pode ser para nausear. Vivam os mercados, morra a Europa!
Sem comentários:
Enviar um comentário