Olho para a estante e vislumbro diversas antologias. Umas
reflectem países, concentrando-se em épocas específicas ou arriscando vistas
gerais (China, Grécia, Reino Unido, Cuba, Suécia, Espanha, Colômbia, União Soviética,
América, Canadá, França, Brasil, Irlanda, Marrocos…), outras focam-se em géneros
(Surrealismo, Experimentalismo, Abjeccionismo...), havendo delas que, dentro dos géneros,
busquem tendências (humor negro, erotismo, satanismo…); almejam-se perspectivas
universais e universalistas, concentram-se esforços em temas específicos (amor,
guerra, morte, música, tempo, saudade, mar…), intentam-se fixações e não raramente se resvala
numa inglória luta contra o esquecimento.
Enquanto autor, já ofereci os meus
esforços a antologias com poemas de amor (mais que as desejáveis), antologias
em memória de autores, antologias sobre gatos, antologias sem tema,
simplesmente antológicas, com o intuito mais ou menos capaz de dar a ver e de divulgar. Prefaciei duas (esta e esta, posteriormente reeditada em árabe), apresentei os autores de uma outra. E sempre me faço
a mesma pergunta: para que serve uma antologia? E sempre me respondo da mesma
maneira: exactamente para o mesmo que serve um livro, ou seja, para ler.
A
Colectânea Poética Sebastiânica organizada por Jorge Corvo Branco é uma dessas
antologias em que mais sinto fazer sentido ter participado. Diversas razões o
podem explicar, sendo que nenhuma se explica pelas razões que normalmente
justificam as antologias. Não há neste volume nenhuma intenção panorâmica, muito
menos a de dar a conhecer vozes recentes. Entre as vozes aqui escutadas,
ressoam as de autores que já andam nisto há anos (Carlos Alberto Machado, José
Emílio-Nelson, Manuel Fernando Gonçalves, Paulo da Costa Domingos, R. Lino ou Rui
Baião, para me cingir aos portugueses) e não sugerem qualquer vontade de ser
dados a conhecer pela participação em O Desejado – Robot Bimby (Companhia das Ilhas,
26 de Setembro de 2015). Os próprios critérios de selecção denotam uma atitude
desviante que nada tem que ver com as práticas gerais de reunir amigos em torno
de um totem, tendo a chamada facebookiana (metodologia já de si suficientemente
irónica para nos alegrar) resultado em 33 colaborações tão heterogéneas quão
heterodoxas. Número místico, portanto, onde a improbabilidade acontece: temos
finalmente em Portugal uma antologia com poetas de origem africana.
A inclinação
desmesurada para o Brasil encontra, neste volume, um contraponto saudável, pelo
que merecem uma menção especial os autores Abraão Vicente (Cabo Verde), Abreu
Paxe (Angola), Cremildo Bahule (Moçambique), Daniel Rocha (Cabo Verde), Emílio
Tavares Lima (Guiné-Bissau), Goretti Pina (São Tomé e Príncipe), Josemar
Domingos (Angola), Manuel Jesus (Moçambique) e Tchalê Figueira (Cabo Verde),
reproduzindo-se em dois casos os originais crioulos e as respectivas versões
portuguesas dos poemas. É um progresso que deve ser sublinhado, sobretudo por
ser espantosa a ignorância que continuamos a alimentar das práticas poéticas
levadas a cabo em países de língua oficial portuguesa que não o Brasil. Que isto
aconteça 600 anos depois da conquista de Ceuta (1415), com o país a divertir-se
no balancé do saudosismo heróico, numa antologia onde o foco recai sobre
Sebastião de Portugal, o derrotado de Alcácer-Quibir (data que talvez merecesse
festejos ao nível dos patrocinados 600 anos de Ceuta) a quem devemos a perda da
independência nacional, demonstra uma perspectiva crítica da história nacional
com a qual não podemos deixar de nos congratular.
Mas se há pormenores nesta
antologia que marcam a diferença, a epígrafe pedida de empréstimo ao marroquino
Tahar Ben Jelloun é certamente um deles. O cuidado gráfico, com uma distribuição
equilibrada de imagens assinadas por Jorge Aguiar Oliveira, é outro desses
pormenores. Assim como o cromo, a páginas 85, de um Sebastião actual, negro de
pele, sentado entre detritos, com um enforcado em pano de fundo e uma ratazana
morta aos pés. São imagens de um mundo que o prólogo, igualmente assinado por
Jorge Aguiar Oliveira, se encarrega de enquadrar com acentuada acutilância: «A
epopeia deste país amaldiçoado de mística espiritual, acarreta nas entranhas o
fado fantasma do Destino, continuando ainda hoje a picar os dias. (…) A falida
cultura europeia tudo tem saqueado em nome da solidariedade, construindo à
socapa o desejo antigo de erguer uma ditadura nacional-socialista, agora
travestida de democracia-cristã. (…) Este não nobre, mas, Novo Povo de
drogados, em euros, indiferentes a quem são escravos, serviçais dum qualquer
ditador mascarado de democrata (coitado do Walt Whitman) dirigem-se às urnas de
corda ao pescoço e fones nos ouvidos, surdos pela cegueira, entregando o seu anémico
voto, só útil, aos adamastores capitalistas» (pp. 13-17).
A uma poesia do “real
psicodelicodoce” envolta “em angústias existenciais” procurou, então,
responder-se com uma poesia de rara consciência política. Na mais nobre acepção
da palavra, ou seja, uma poesia atenta ao seu mundo, capaz de o reproduzir,
acusar, testemunhar, sem se ensimesmar em paisagens interiores melancólicas ou
contemplativas e anódinas visões do Para®íso. Pela parte que me toca, é tanto
um gosto como um orgulho ter o nome associado a tal objecto.
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