terça-feira, 20 de outubro de 2015

O QUE SERIA DE NÓS?

O que seria de nós sem o Correio da Manhã, o que seria de nós sem a Teresa Guilherme e o Big Brother e a Quinta das Celebridades e a Casa dos Segredos e todos os demais reality shows, o que seria de nós sem fast-food, sem os estrangeirismos que nos enriquecem a língua e fazem de nós gente culta, gente moderna, gente com estilo, gente sedutora, sensual, magnífica, gente sintonizada com o mundo, o que seria de nós sem as redes sociais e sem o touch screen e sem as startups e sem as selfies, o que seria de nós sem a Cristina Ferreira e sem o Manuel Luís Goucha e sem os romances da Fátima Lopes, o que seria de nós sem as cartas da Maya e os anjinhos da Maria Helena, o que seria de nós sem ex-jogadores de futebol a comentarem futebol, o que seria de nós sem os totós da bola, o que seria de nós sem o lixo televisivo que permite dar significado à expressão lixo televisivo, o que seria de nós sem a música pimba e sem o teatro de revista e sem a cultura popular e sem a literatura light, o que seria de nós sem as feiras de vaidades e sem o desperdício e sem a fome dos outros e sem o aquecimento global, o que seria de nós sem os casos, sem os escândalos, sem a miséria observada à distância com um pacote de Cheetos nas mãos, o que seria de nós sem os festivais de Verão e o Natal dos Hospitais e o Banco Alimentar e os comentários sobre a actualidade da Isabel Jonet, o que seria de nós sem o Santuário de Fátima, sem as peregrinações, sem as procissões, sem a missa de domingo, sem os feriados religiosos, o que seria de nós sem o Papa Francisco e sem o milhão de livros que sobre ele já se escreveram, o que seria de nós sem o terrorismo que alimenta o terrorismo, o que seria de nós sem a publicidade que todos os dias cai na caixa postal, no e-mail, nos acompanha no autorrádio, na televisão, se dissemina pelas paredes da cidade, em outdoors, o que seria de nós sem o telemarketing e sem cartões de desconto, o que seria de nós sem a FNAC e sem a Bertrand e sem os shoppings, o que seria de nós sem os outlets, sem os centros comerciais gigantescos onde proliferam multinacionais milionárias, o que seria de nós sem os milionários, o que seria de nós sem os artigos de última geração, sem a última moda, sem modas, sem novidades, o que seria de nós sem o salário mínimo, sem o mínimo salário, sem horas extraordinárias a custo zero, sem recibos verdes, o que seria de nós sem mundiais desportivos e competições europeias e veículos potentíssimos atravessando África, o que seria de nós sem os missionários e sem os voluntários, o que seria de nós sem uma boa caçada, sem o negócio dos diamantes, sem minério, sem incêndios, o que seria de nós sem as exportações e as importações, sem os mercados financeiros, sem a bolsa, sem o dinheiro virtual, sem os sem terra, sem os produtos tóxicos, a água contaminada dos rios, o que seria de nós sem o mundo virtual das quintas e do Minecraft, o que seria de nós sem benzodiazepinas, sem ansiolíticos, sem o negócio da indústria farmacêutica, o que seria de nós sem traficantes, drogados, vigaristas, criminosos, fanáticos, racistas, xenófobos, intolerantes, terroristas, o que seria de nós sem lixeiras a céu aberto, jardins de ruínas, o que seria de nós sem a Guerra das Estrelas, a exploração espacial, o universo cada vez mais poluído com os resíduos das nossas investigações, o que seria de nós sem uma explicação para o princípio do mundo, sem múltiplas explicações para a formação do universo, o que seria de nós sem as seitas religiosas e sem calendários para o armagedão, o que seria de nós sem Deus, meu Deus, o que seria de nós sem Paraíso e sem Inferno e sem Espírito Santo, o que seria de nós sem medo, o que seria de nós sem os fazedores de opinião, as últimas notícias, os tops, as recensões com estrelinhas, o que seria de nós sem os trezentos canais do MEO, sem pobrezinhos a quem acolher, sem nós próprios? O que seria de nós sem nós próprios? O que seria da terra sem estrume?

2 comentários:

Unknown disse...

Gostei muito. Quanto à cultura popular, embora perceba, parece-me de distingui entre ela e a cultura "pipolar".

Cumprimentos

Luís Varela

hmbf disse...

Ou bipolar.