quinta-feira, 22 de outubro de 2015

WAGON MASTER (1950)

Poucos cineastas terão prestado tanta atenção ao conceito de fé como o fez John Ford (n. 1894 – m. 1973). A fé move montanhas, é costume dizer-se. Ford encarrega-se de provar o dito com inúmeras histórias do Velho Oeste. Praticamente todos os seus westerns, marcados invariavelmente pelo discurso efabulatório da religião, trazem para cima do palco essa força poderosa alojada no coração dos crentes. Isso é evidente em filmes tais como Rio Grande (1950), The Searchers (1956) ou Cheyenne Autumn (1964), assim como na trilogia da cavalaria composta por My Darling Clementine (1946), Fort Apache (1948) e She Wore a Yellow Ribbon (1949). Não tanto em The Horse Soldiers (1959) e The Man Who Shot Liberty Valance (1962), embora ambos assentem um princípio de intercepção da fé com a acção política. Perante tal constelação, cabe perguntar que lugar ocupa em tamanha cinematografia o menos popular Wagon Master/A Caravana Perdida (1950)?



Pouco considerado pela crítica à época da sua exibição, foi ganhando com o tempo o estatuto dos grandes clássicos. Ford faz-se valer de um elenco assaz familiar, entre o qual se destacam Ward Bond no papel de pastor mórmon e Ben Johnson no lugar de comerciante de cavalos convertido, pelo acaso, em chefe de caravana. São actores assíduos na filmografia fordiana, tal como, em papel mais secundário, Harry Carey Jr. A encantadora Joanne Dru também entra, num papel muito mais ousado e ambíguo do aquele que lhe tinha sido oferecido em She Wore a Yellow Ribbon (1949). 
Wagon Master conta a história de um grupo de mórmones em busca da terra prometida, um vale junto ao rio San Juan, território do Utah, onde pretendem lançar para a eternidade as preciosas sementes que transportam em carroças rudimentares. Elder Wiggs (Ward Bond) é o pastor que lidera o grupo, socorrendo-se do viajado Travis Blue (Ben Johnson). Pelo caminho, encontrarão atolados no meio do deserto um pequeno grupo de “actores” ambulantes. Na realidade, a identidade das três ovelhas tresmalhadas não fica clara. As duas mulheres comportam-se levianamente, o homem que entre elas mantém uma compostura solene é o típico charlatão. São integrados na caravana, vindo a assumir a relevância geralmente atribuída às almas convertidas. 
Nada impedirá estes bons e corajosos filhos do senhor de cumprirem o seu destino, nem o deserto tórrido, nem a paisagem inóspita. Atravessam rios, vencem a sede, superam todos os obstáculos surgidos pelo caminho. Move-os a fé, mesmo quando abordados por um grupo de índios Navajo resolvem com eles confraternizar num acampamento onde se abraçam e dançam em torno de uma fogueira. Inferno não é palavrão. É geografia. — afirma, a dada altura, uma das personagens. E será nessa geografia infernal que a fé providenciará uma passagem para o paraíso, não sem antes a serpente ameaçar os bons errantes. 
Os Clegg são uma família de foragidos que se intromete na caravana. Que melhor disfarce para um grupo de criminosos, procurados por roubo e homicídio, do que uma caravana de mórmones? Os cinco Clegg, liderados pelo tio Shiloh (nome associado tanto a uma famigerada batalha da Guerra da Secessão, como a uma antiga cidade hebraica), são tantos quantos os sentidos na vida humana material. E nisto pode, quem queria, ver uma alusão simbólica à dimensão pecadora do homem, o domínio da carne, da matéria, do corpo, por oposição à infinita, una na diversidade, caravana de boas almas votadas aos desígnios do Senhor. 
Wagon Master é, neste sentido, um típico western fordiano, dedicado à propagação de bons sentimentos com um espírito de missão verdadeiramente humanitário. Neste caso, os bons são mórmones. E os maus são liderados por um tipo com nome judaico. Coincidências.

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