sexta-feira, 6 de novembro de 2015

DUAS FÁBULAS


1. OS CÃES E O PÁSSARO

Dois homens perdigueiros, grandes espertalhões formados na escola da fome, que deitavam as garras a tudo o que lhes aparecesse sobre a terra, deram um dia com um pássaro. O pássaro, embaraçado por se encontrar fora do seu elemento, tentava esquivar-se ora para um lado, ora para o outro, e os seus adversários encontravam-se à beira do triunfo; porém, não tardou que o pássaro, sentindo-se demasiado acossado, batesse as asas, elevando-se no ar: quanto aos cães, esses heróis das pastagens, ficaram imobilizados como ostras, encolhendo a cauda entre as pernas, com os olhos cravados no pássaro.

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   Ó inventiva, quando te elevas no ar: como ficam imobilizados os sábios, seguindo-te com o olhar!

2. A FÁBULA SEM MORAL

Pudesse eu ter-te, dizia o homem a um cavalo que estava à sua frente devidamente selado e arreado, mas que não queria deixar-se montar; pudesse eu ter-te tal como em tempos saíste das florestas, em bruto, simples filho da natureza! Conduzir-te-ia, ligeiro como uma ave, por montes e vales, como me aprouvesse; bem nos sentiríamos, tu e eu. Mas ensinaram-te artifícios dos quais eu, desprovido como estou perante ti, nada sei; e ser-me ia preciso entrar contigo no picadeiro (livre-me Deus de tal coisa) se quiséssemos entender-nos.

H. v. K.

Heinrich von Kleist, in Sobre o Teatro de Marionetas e Outros Escritos, tradução e apresentação de José Miranda Justo, 1.ª edição, Antígona, Junho de 2009, pp. 85-86.

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