Nunca como hoje o discurso politicamente correcto teve
tantos zeladores, perversamente convertidos a um moralismo hipócrita e
oportunista. Num ambiente destes, qualquer afirmação pública (e não só, tal é a
facilidade com que se torna público o que era privado) vê-se agrilhoada ao
banal e ao previsível, escrava de uma razoabilidade que é determinada pelos
grandes chavões do moralismo vigente. Entre eles, o da paridade e o da
igualdade. Se me irrita tanto o discurso populista anti-partidos é
precisamente pela mesma razão que me irrita o discurso castrador daqueles que
vivem tão obcecados com a igualdade que nem se apercebem da contradição em que
caem quando tratam da mesma forma o que é desigual. Quero com isto dizer que
acho de um vitorianismo insuportável pretender colar estas afirmações a uma qualquer
atitude ou pensamento machistas, quando não se tem a mínima hesitação em
sublevar uma candidatura pelo simples facto de a candidata ser mulher. Comparar isto com o discurso machista, esse sim,
machista, de Pedro Arroja acerca das “esganiçadas” do BE é um insulto à inteligência
de qualquer pessoa. Jerónimo pode ter sido injusto na leitura irónica que fez
da candidatura do BE (que certamente obteve o seu resultado não apenas por
conta de um discurso populista e dos atributos físicos da candidata), mas foi
um momento de ironia, só isso, que em nada desrespeita os atributos
intelectuais de Marisa Matias e a forma como esta se bateu. É curioso, até, que
algumas das mulheres que noto irritadas com a declaração de Jerónimo não tenham
hesitado em soltar o seu piropo aos cartazes da CDU aquando da candidatura de
João Ferreira às europeias. E fizeram muito bem, que o rapaz é realmente giro. Passamos
a ter dois pesos e duas medias no que respeita à legitimidade dos piropos? As
mulheres podem comentar a beleza física de um candidato e um homem não se pode
referir à beleza de uma candidata? Posso comentar a beleza de Iúlia Timochenko ou a de Cristina Kirchner? Será displicente considerar que essa beleza ou, se quiserem, o bom aspecto das protagonistas pode ter dividendos eleitorais? Ao afirmar o que afirmou,
Jerónimo quis sublinhar a dimensão mais importante do candidato apoiado pelo
PCP: era um candidato de causas. Mais do que pôr em xeque o desabafo no
rescaldo das eleições, deve pôr-se em causa esse dado muito objectivo de que o currículo
humanista de Edgar Silva, de combate efectivo pelos mais carenciados e de
afronta aos poderes instalados, não mereceu tanta simpatia como hoje merecem outros
predicados, porventura mais facilmente rentabilizáveis num mundo onde o que
conta é a imagem. Tino de Rans, a fazer buracos na areia, teve quase tantos votos quanto o candidato apoiado pelo PCP. Isto obrigará a uma leitura, sendo certo que a solução não deverá passar pela cedência aos mínimos de exigência política hoje reclamados por quem vota. Muito mais importante será reconquistar quem não vota, fazendo da abstenção, e não dos piropos, o principal inimigo da democracia. Há, pois, nesta afirmação uma leitura do mundo e da actualidade que
as pessoas não querem debater, preferindo desviar as atenções para aspectos
completamente fúteis. Repare-se como ela é igualmente válida para o
candidato vencedor. Que as pessoas se foquem “na engraçadinha” é um sinal da
sua falta de disposição para o debate político, sendo-lhes preferível perder
tempo com o superficial e assim fortalecerem candidatos engraçadinhos e
populistas que até chegam a Presidente da República. Só a título de exemplo, repare-se no que para a mesma pessoa é um disparate grosseiro e uma afirmação merecedora de aplausos:
Clique na imagem para ver melhor. Perante tamanha coerência, mais comentários para quê?
Clique na imagem para ver melhor. Perante tamanha coerência, mais comentários para quê?
9 comentários:
Ao olhar para os resultados vejo que o popular Marcelo Rebelo de Sousa ganhou em todos os distritos do país, mas com mais de 52% de abstenção. Os media/tv e etc. tiveram também a sua vitória, mas não sei o que significa mais de metade da população em silêncio. Será que não têm televisão? :D
Ou não têm televisão ou preferem a Quinta das Celebridades à Pocilga (para usar a terminologia do mestre Bordalo).
Eu não arrisco a traçar um perfil a quem não vota, porque mais de metade da população não o faz. Acho que é necessário analisar esta incógnita. Porque habitualmente serve apenas de pretexto para insultar esta parte da população, imaginando que tem um perfil ou que funciona de certa maneira. Vou-me questionando sobre o assunto, mas acho que merecia um estudo com trabalho de campo à séria, com inquéritos à população e etc.
Quanto a isso, acho que fui muito claro no meu texto: «a solução não deverá passar pela cedência aos mínimos de exigência política hoje reclamados por quem vota. Muito mais importante será reconquistar quem não vota, fazendo da abstenção, e não dos piropos, o principal inimigo da democracia». Não há um perfil para quem não vota, assim como não há um perfil para quem vota. Por exemplo, quem vota no Tino de Rans vota por simpatizar com a figura, por piada, por protesto, etc. Assim como quem não vota, não vota por se estar nas tintas, por nem sequer saber que havia eleições (referi dois casos meus conhecidos num texto abaixo), por protesto, por saturação, etc... Eu não insulto ninguém, mas chateia-me que insultem a minha inteligência com questiúnculas sem sentido. Acabei de dizer a um amigo o seguinte: Os resultados em política são sempre muito discutíveis, cada momento eleitoral tem as suas especificidades e este revela duas coisas que, para mim, são mais importantes do que qualquer outra:
1. ganhou o candidato que era mais popular por razão do mediatismo que possui
2. mais de metade dos eleitores cagou para as presidenciais
Isto é que importa discutir: a influência dos media e o desinteresse das pessoas. O resto é tricot.
Boa tarde, Henrique
Muito sinceramente não gostei da afirmação do Jerónimo de Sousa. Até porque a Marisa não é apenas uma "cara bonitinha". Assim como também não votaria no João Ferreira só porque é (e é) giro. Porque também ele é muito mais do que isso.
Agora daí partir para um rol de ofensas, de nojo, de conservador... vai a distância entre saber interpretar os comentários e entre "vomitar ódio". Esta campanha teve de tudo, muitos brindes. Se tivesses acesso ao facebook, lerias as maiores ofensas, extremamente ordinárias, sobre a "piada" da candidata do BE acerca do Sporting, ou do slong dela: Uma para todos os portugueses.
Mesmo assim volto a reafirmar: para um líder de um partido de esquerda (da qual já fui militante e para o qual trabalhei) e que tanto fala igualdade de géneros, não foi uma saída feliz.
Abraço
Não se trata de votar em alguém só porque é giro. Mas agora vamos dizer que o aspecto não conta? Mas a aparência é ou não um factor de sedução na política? Eu acho que é. E o que o Jerónimo fez foi dizer que a força do candidato do PCP não residia na sua aparência, tanto quanto estava nas suas causas. Eu até acho que a afirmação é mais para reforçar este aspecto do que para reduzir as outras candidaturas, sendo que pelo menos duas, a que ganhou e a do Tino, eram eminentemente mediáticas e populistas.
Já agora, há para aí uma confusão entre a declaração de Jerónimo e a estória do «candidato ou uma candidata assim mais engraçadinha», que surgiu em conversa com os jornalistas. Portanto, estava a questionar-se a candidatura do Edgar Silva com base em quê? O que se pergunta quando se pergunta se Edgar Silva foi o candidato certo?
Olha, os números que tinha colocado no blog estavam mal, eram os números de votantes e não da abstenção. entretanto corrigi as contas. saúde
As razões de quem não vota, como dizes, serão várias. A principal será o desinteresse e a indiferença. É perfeitamente compreensível que um cidadão olhe para aquele leque de candidatos e sinta total indiferença perante qualquer um dos cenários.
Sim, é compreensível. Tanto candidato também significou mais ruído e menos hipóteses para o debate político. Os debates a 10, como disse, foram uma farsa. A 2, entre todos, tornar-se-ia fastidioso. Enfim, depois de Cavaco tudo o que vier é lucro. :-)
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