Nas peças
radiofónicas Words and Music e Cascando, o impulso partia do «director de cena»
Croak ou do Abridor; em Dias Felizes era a campainha estridente que despertava
Winnie e lhe ordenava que dormisse no final do dia. Até agora, os estímulos
pessoais são, por conseguinte, processos mecânicos — sem um significado próprio que
informe sobre o papel da aplicação do estímulo.
Já com o feixe de luz em
Play o caso é diferente: aqui o estímulo reside na fala, mais precisamente, no
facto da pessoa em questão ser repentinamente vista (e permanecer no escuro
antes e depois). Este «ser visto» foi em seguida o único impulso dramatúrgico
para o Film de Beckett. O herói acredita, sem dúvida, na frase filosófica do
empírico irlandês George Berkeley: Esse est percipi («Ser é ser percebido») e
esforça-se por se reger pela mesma. No argumento escrito de Film, Beckett
conjectura, assim, de uma forma aparentemente bastante filosófica:
Se todas as percepções de
outrem — animais, humanas e divinas — forem guardadas, detém-se a
autopercepção. A procura do não-ser através da fuga à percepção dos outros
anula a inevitabilidade da autopercepção.
Estas frases não têm,
contudo, de forma alguma, qualquer intenção filosófica, mas servem apenas para
descrever a situação de cena:
O que acima se citou não pretende ser detentor da verdade e
é somente encarado como um auxiliar da estrutura dramática.
Para representar o
protagonista desta situação, ele será repartido em objecto (O) e olho (E).
Só no fim do filme se
torna claro que o perseguido não é outro senão o próprio protagonista.
E percebe O até ao final
do filme por detrás de um ângulo que não tem mais do que 45º. Princípio básico:
O cai ins percipi = só tem medo de ser percebido se este ângulo aumentar.
(…)
Beckett traça com igual
precisão todas as restantes cenas pantomímicas deste filme mudo (com Buster
Keaton no papel principal) e demonstra uma vez mais as suas capacidades de
exactidão de espaço e tempo: houve um único pormenor cénico impossível de
realizar a contento e que teve de ser retirado.
Klaus Birkenhauer, in Beckett,
trad. Maria Emília Ferros Moura, Círculo de Leitores, Dezembro de 1999,
pp. 167-168.
Sem comentários:
Enviar um comentário